sábado, 1 de novembro de 2008



01 de novembro de 2008
N° 15776 - CLÁUDIA LAITANO


A roda da história

O que são 40 anos na história? Se você tem 20, uma eternidade, um intervalo de tempo tão grande comparado a sua curta presença no planeta que Jango e Rui Barbosa, a Tropicália e a Semana de Arte Moderna, a Primavera de Praga e a Comuna de Paris parecem igualmente remotos.

Uma das boas surpresas da maturidade é descobrir que a noção de tempo evolui conosco rumo a um certo alargamento de horizontes históricos – sim, sou uma otimista.

Aos 40 anos, o espaço de tempo que nos separa da época em que nascemos nos parece um pulinho ali na esquina da história – a curta distância entre o moleque que fomos e o adulto que já conta os primeiros cabelos brancos.

O mesmo período de tempo estica e encolhe conforme a idade de quem olha para ele – e pelo menos nesse jogo os mais velhos costumam levar a vantagem da perspectiva.

Em 1986, aos 20 anos, morei durante alguns meses na cidade americana de San Francisco, estudando inglês e trabalhando como babá.

Naquele ano, vários eventos na cidade lembravam as duas décadas de um fato que entrou para a história da música:

em 1966, no estádio de beisebol Candlestick Park, os Beatles fizeram sua última grande apresentação pública antes da separação. Naquela época, esses 20 anos que coincidiam com a minha idade me pareciam uma enormidade de tempo.

Hoje, quando lembro disso, penso que faziam “apenas” 20 anos que os Beatles haviam estado na mesma cidade que eu – o que hoje me parece um intervalinho de nada, quase como se eu ainda pudesse ouvir os acordes da última música que eles tocaram.

Nunca voltei a San Francisco, mas nos anos 80 ainda havia na cidade o curioso costume de os negros sentarem-se nos assentos traseiros dos ônibus. O hábito remontava à época em que eles ocupavam um lugar separado no transporte público, em geral os últimos assentos, e eram obrigados a levantar-se para dar lugar aos brancos se não houvesse um banco vazio à disposição.

Essa história, como se sabe, começou a mudar em 1955, quando uma costureira negra chamada Rosa Parks desafiou a lei de segregação ao não ceder o seu lugar no ônibus para um rapaz branco.

Rosa morreu em 2005, aos 92 anos, tendo se tornado aquele tipo de personagem que entra para a história não pela sua liderança ou por grandes articulações políticas, mas por um gesto aparentemente simples de coragem pessoal que, por uma conjunção imprevisível de fatores, acaba movimentando a manivela dos acontecimentos –

como a última gota que finalmente faz um copo cheio transbordar. Inspirado pelo gesto de Rosa Parks, o jovem pastor negro Martin Luther King Jr. começou a incentivar seus fiéis a boicotar o transporte oferecido pelos brancos.

Começava ali o movimento pelos direitos civis, que viraria lei em 1964 e repercutiria no mundo inteiro nos anos seguintes. Luther King foi assassinado há exatos 40 anos, em abril de 1968, mas a roda da história já havia sido posta em marcha.

O que são 40 anos? Uma eternidade para quem tem 20 anos, quase nada para a trajetória de um país.

Ligar a televisão na madrugada da próxima quarta-feira e descobrir que os Estados Unidos elegeram um presidente negro vai provocar aquela sensação, rara e inesquecível, de puro contentamento pelo simples fato de se estar vivo para ver a história acontecer.

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