sábado, 9 de fevereiro de 2008



10 de fevereiro de 2008 |
N° 15506 - Paulo Sant'ana


É sempre, sempre assim

Quando um orador, no início ou fim de seu discurso, pronuncia a frase "...eu não quero me espichar, mas..." , é absolutamente certo que ele vai se espichar.

Quando alguém o aborda com a frase "Eu não queria te chatear, mas...", é absolutamente certo que essa pessoa vai em seguida chateá-lo ao extremo.

Quando uma mulher diz dramaticamente para um homem "...eu não posso, eu não devo, eu não vou te amar...", é absolutamente certo que esta mulher já está amando aquele homem.

O poeta mexicano Amado Nervo (1870-1919), segundo os melhores críticos literários do século passado, teve sua obra na altura exata das de García Lorca, Rubén Dario e Pablo Neruda, dentro da literatura hispânica.

Só para dar uma idéia de seu vulto, como todos os grandes intelectuais da sua época, amava Paris. E em Paris tornou-se grande amigo de Rubén Dario, de Verlaine, de Moreas e de Oscar Wilde, além de todos os literatos destacados de todo o mundo que gravitavam em torno da capital francesa.

Seus poemas estenderam sua celebridade em todos os países de língua espanhola.

Entre tantas jóias da poesia de Amado Nervo, cujos poemas principais se alçam aos píncaros da literatura americana, escolhi um deles para brindar os meus leitores neste domingo.

Emocionei-me quando o ouvi no Sala de Redação, lido pelo Kenny Braga.

A tradução, fidelíssima a considero depois de ter buscado e lido o original em espanhol, é de Aurélio Buarque de Hollanda, o autor do Aurelião.

Eis o poema monumental:

Em Paz

Já bem perto do ocaso, eu te bendigo, ó Vida,
porque nunca me deste esperança mentida,
nem trabalhos injustos, nem pena imerecida.

Porque vejo, ao final de tão rude jornada,
que a minha sorte foi por mim mesmo traçada;
que, se extraí os doces méis ou o fel das cousas,
foi porque as adocei ou as fiz amargosas:
quando eu plantei roseiras, eu colhi sempre rosas.

Decerto, aos meus ardores, vai suceder o inverno:
mas tu não me disseste que maio fosse eterno!

Longas achei, confesso, minhas noites de penas;
mas não me prometeste noites boas, apenas,
e em troca tive algumas santamente serenas...

Fui amado, afagou-me o Sol. Para que mais?
Vida, nada me deves. Vida, estamos em paz!

Crônica publicada em 11/11/2001

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