quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008



07 de fevereiro de 2008
N° 15503 - Paulo Sant'ana


Inversão de papéis


Entre nervosas bicadas no seu copo de vodca, o meu amigo me contava a sua interessante história. Esteve casado durante 15 anos com sua atraente mulher. Até que conheceu a filial. Foi uma paixão fulminante, temperada deliciosamente nos esconderijos da clandestinidade. Vida dupla, felicidade tripla.

Meu amigo foi afundando no romance extraconjugal. Até que soçobrou às atrapalhações da prestidigitação, não era mais possível administrar os mecanismos da dualidade conflitante. E decidiu-se por sair de casa, entregando-se ao novo amor.

Como sempre, separação dolorosa, as cicatrizes inevitáveis a qualquer ruptura.

Foi viver na casa da filial.

Vida nova, aquela coisa de comprar outros móveis, acostumar-se a outra cama, a outro bairro, novos valores. Durante um ano, o meu amigo desenvolveu a sua segunda lua-de-mel. Até que descobriu, na inevitável comparação, que gostava muito mais da matriz do que da mulher com quem agora estava vivendo. E decidiu-se por retornar à ex-esposa, depois que ficou convicto de que a filial continuaria aceitando o triângulo amoroso.

Meu amigo se emociona quando me conta a cena da volta. Ele desembarcando do carro com todos os seus badulaques, uma fila imensa de malas, na porta a matriz a esperá-lo com um largo sorriso de alegria.

Beijaram-se afetuosamente, mas quando ele intentou botar para dentro da sua casa a primeira série de malas e outros objetos, a matriz não permitiu. E falou cordialmente:

- Desta vez, volta só você. Sem qualquer coisa a acompanhá-lo. Pegue todas as suas coisas, estas malas todas, e leve de volta para a casa dela. Daqui por diante, eu terei só você.

Ela vai ficar lidando com as tuas coisas, vai lavar as tuas cuecas e cuidar de ti. Eu vou ficar com a parte mais interessante do teu espólio, tu próprio, a tua pessoa. Em suma, agora eu vou ser a filial.

Era de ver-se a cara com que meu amigo me narrou o novo translado de toda a sua bagagem e caraminguás para a casa da outra. E o seu semblante de desapontamento quando me disse que a nova e invertida modalidade "vai funcionando".

Crônica publicada em 26/4/1992

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