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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
06 de fevereiro de 2008
N° 15502 - Paulo Sant'ana
A maldade humana
Uma das características humanas que mais me intrigam é a delícia em se comprazer da morte dos outros homens ou dos animais.
Um exemplo entre mil: as touradas.
Todas as pessoas que se dirigem a uma praça de touros vão movidas pelo prazer de ver sangue, de assistir a um sacrifício.
A maioria dos aficionados, certamente, vai ver o sacrifício do touro. Mas há uns, entre eles inúmeros turistas, que se apiedam do touro e, conseqüentemente, torcem pelo sacrifício do toureiro, não há outra saída.
O indubitável é que todos que vão lá são inspirados para celebrar o espetáculo de uma desgraça alheia.
É esse impulso ancestral do homem que me deixa atônito. Ele é muito eloqüente nas grandes lutas que se travavam na antigüidade, exemplo as liças do Coliseu, onde em uma só tarde morriam às centenas os humanos e os animais.
E quantos mais morressem, mais se satisfazia a turba. E quantos mais morressem, mais se tornavam populares os governantes da época, os imperadores, por terem proporcionado aos seus súditos aqueles jogos de indizível prazer ótico.
É de tal sorte esse sadismo humano, que se inventam lutas entre galos, entre canários, entre cães e entre outros animais como diversão em que são feitas gordas apostas ou se cobra ingresso pelos espetáculos.
E têm sucesso extraordinário em todo o mundo as lutas de todos os tipos que são travadas entre os próprios homens, entre elas o boxe, a luta-livre, o judô, o sumô, ao fim de tais embates muitas vezes saem feridos os litigantes, quando não acontecem as mortes.
Algumas dessas lutas alcançam tal sucesso em todo o mundo que quantias imensas são comercializadas pela televisão para transmiti-las para diversos continentes. Outras apaixonam seus torcedores em vários países, que lotam os estádios semanalmente, sendo também transmitidas preciosamente pela televisão.
Tudo isso com o assistente das platéias ou os telespectadores babando de gozo com o sofrimento dos lutadores. Quanto maior o sucesso de uma agressão, maior o prazer, que vai até a euforia, do espectador.
Isto desde que o mundo foi criado.
Até os dias de hoje, quando nos gabamos de ter ingressado num milênio civilizado.
Qual o impulso que nos leva a ver a luta pela sobrevivência no mundo animal, principalmente nas savanas e selvas africanas, que nos mostra diariamente o canal Discovery, da TV a cabo?
Sem dúvida alguma, o momento mais importante para o espectador, o que mais o atrai a permanecer com o televisor ligado, é o do embate entre o animal presa e o animal predador.
Se há um bando de impalas, veados, gazelas, búfalos, sob a mira de leões, tigres, leopardos, hienas, aproxima-se para o telespectador o instante máximo da transmissão: aquele em que as feras atacarão suas vítimas alimentares.
Quando um leopardo sai correndo atrás de uma gazela, o telespectador nutre até uma compaixão pela presa.
Pode até torcer que ela escape, mas só estará satisfeito como assistente daquela corrida em busca da sobrevivência, embora isso possa se dar no plano do inconsciente, se ela tiver um desfecho que é quase sempre invariável: a vitória da fera sobre o seu petisco.
Essa inclinação do homem em ter prazer com a dor alheia me atormenta.
Porque fico pensando que é traço essencial da nossa natureza humana a
maldade, verificada até mesmo em pessoas consideradas boas e decentes.
Se se for verificar a história humana através dos tempos, vai se notar que ela se dá em cima de guerras, destruições e dominações de uns homens sobre os outros.
Mas será que isso nos autoriza a pensar que o homem intrinsecamente é mau? Eu sempre pensei que sim. Mas há teorias que me desautorizam essa conclusão.
Só que essas teorias trombam espetacularmente com os fatos.
(Crônica publicada em 31/01/2002)
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