quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008



06 de fevereiro de 2008
N° 15502 - David Coimbra


Conversa no banheiro


Tinha um sujeito que trabalhava aqui no jornal, eu não o conhecia bem, ele era de outra editoria, mal nos cumprimentávamos. Na verdade, nunca havia trocado mais de duas frases com ele. Oi, tudo bem? Tudo bom.

Só.

Certo. Um dia, estava no banheiro, mais precisamente no mictório, mictando, tranqüilão, quando esse sujeito entrou. Postou-se ao meu lado e, enquanto abria o zíper, disse, sem nem falar bom dia, nem nada:

- Minha mulher me deixou.

Eu estava concentrado lá na atividade, me surpreendi com aquele desabafo à queima-roupa, em ambiente tão pouco propício a confissões, feito por uma pessoa de quem eu praticamente só sabia o nome. Olhei para o lado. Para os olhos dele, bem entendido. Ele me encarava com expressão consternada.

- Ahn? - foi o que atinei em dizer.

Repetiu:

- Minha mulher me deixou.

E agora? Como devia proceder? Largar o que estava fazendo para dar-lhe um tapinha de consolo nas costas? Dizer que lamentava a separação? Mas, ora, nem conhecia a mulher dele, como poderia lamentar a separação?

Em todo caso, resolvi tecer um comentário inteligente, algo que expressasse a minha surpresa e a minha solidariedade, ao mesmo tempo em que deixasse claro que esse tipo de ocorrência é comum, que todos têm experiências que tais em alguma fase da vida e que aquilo ia passar, porque, afinal, tudo passa. Sendo assim, impostei a voz e observei:

- Puxa...

Talvez alguém ache que não fui muito eloqüente, mas deu certo. Ele continuou falando sobre a separação e não parou nem depois de lavarmos as mãos. Eu as minhas, ele as dele. Fiquei parado no banheiro, ouvindo o triste relato, repetindo:

- Puxa... puxa...

Às vezes também comentava:

- Que coisa.

Quando finalmente consegui sair do banheiro, voltei para a minha mesa pensando que meu colega havia me escolhido como confessor provavelmente porque eu seja uma pessoa confiável.

Deve ser algo bom, algo de limpo e honesto luzindo no meu rosto, concluí, orgulhoso, e orgulhoso continuei por mais uma hora, precisamente: então, fui ao bebedouro tomar um copo d´água e lá encontrei meu infeliz colega.

Ia falar-lhe, relatar um caso semelhante sucedido comigo, mas, antes de poder abrir a boca, notei que ele nem me olhava. Fitava a atendente do bar, uma funcionária nova. Ela perguntou se ele queria café expresso ou passado e ele disse:

- Minha mulher me deixou.

Meu colega, fiquei sabendo depois, contou seu drama para todo o corpo de repórteres, editores e subeditores do jornal, para os fotógrafos, para as mulheres da limpeza, para o pessoal da segurança, para um motoboy que veio fazer uma entrega. Precisava falar, não pensava em outra coisa. Estava obcecado.

Podem criticá-lo, mas pelo menos era uma obsessão com sua vida pessoal. Há quem seja obcecado por times de futebol e, nesse caso, a pessoa se torna tão monotemática e exagerada quanto o meu colega.

Parece pobreza de espírito, e acho que é mesmo, mas trata-se mais de conseqüência do que de causa. É um sintoma: a pessoa tem uma vida tão desinteressante, que concentra as suas expectativas no desempenho de clube de futebol e briga por isso e xinga por isso e vive por isso.

Assim, os extremos se unem: o descornado desesperado e o torcedor fanatizado têm o mesmo comportamento. Todos os fundamentalismos são iguais. Todas as obsessões são uma só.

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