sábado, 2 de fevereiro de 2008



03 de fevereiro de 2008
N° 15499 - Paulo Sant'ana


O amor é egoísta

A minha tese é de que o amor é egoísta, pejorativa ou benignamente egoísta. Baseio-me no filósofo grego, quando disse que Deus partiu as pessoas pelo meio a atirou as metades espalhadas pelo mundo, condenando a só serem felizes aquelas que viessem a se encontrar durante a vida.

O amor é, sem dúvida, o encontro com a outra metade. Sinonime-se amor com felicidade. Se alguém só será feliz caso venha a encontrar no emaranhado da existência a sua outra metade, as duas metades, dispersas, atiram-se à tarefa de completar-se no encontro tão ansiado.

Então, se eu sou uma metade e vago ou batalho para encontrar a minha outra metade, é porque ando atrás de mim mesmo. Olhe aí o egoísmo. Vamos em frente: digamos que eu encontre a minha outra metade. Pronto, estou amando, sou feliz, torno-me realizado.

Mas assim me sinto porque vejo, naquela outra pessoa, a minha outra metade, a mim mesmo. Concedo: vejo nela o que me faltava. Mas era o que faltava de mim, não era outra pessoa que me faltava, era o meu pedaço que, na origem, Deus tinha separado de mim. Ou seja, eu próprio. Não é egoísta o amor?

Talvez nem fosse preciso falar na perda do amor para provar que ele é egoísta. Depois de ter-se a primeira metade encontrado com a segunda, por motivos que todos conhecem no que se refere à separação, rompimento etc., elas voltam a dispersar-se.

Então as duas metades, separadamente, ficam a lamentar-se não que se separaram, mas que se seccionaram, perderam a si próprias, pois elas em realidade, segundo Aristóteles ou Platão (que em verdade eram duas metades filosofais que se completaram nas suas obras), não eram duas pessoas, mas uma só.

Em suma, quando eu amo uma pessoa, estou amando a mim próprio, esta é a grande sacada que me veio anteontem. E se não quero perdê-la é porque me apavora perder-me, entenderam?

Então, por justaposição desses raciocínios encadeados, quando eu vejo uma mulher bonita ou sensual, ou inteligente, o que acontece com todo mundo, homem mulher, andrógino etc., se passo a desejá-la e tenciono conquistá-la, é porque estou querendo ganhar a mim mesmo.

Ou seja, só a admiro e a endeuso porque vejo nela a mim próprio. Daí o egoísmo do amor. Tenho ainda surradas provas de que o amor é egoísta, egocêntrico e até megalômano.

A minha outra metade pode ser na aparência completamente diferente de mim, quase afirmo que sempre o é. Por serem diferentes na imagem é que brigam também as pessoas que se amam.

Mas ela é a metade que me falta para completar-me. Sem ela eu serei sempre esquivo e torto. Só ela me torna gregário e me endireita.

Ela é diferente na parte, mas igual no todo. Porque ela é a metade do todo. E tanto ela é também igual à minha metade que as pessoas que se amam, quando juntas, têm momentos de intensa paz e êxtase espiritual ou corporal.

A isso só posso chamar de egoísmo, ou seja, a realização plena no encontro consigo mesmo. Finalmente, o amor, além de egoísta e egocêntrico, é megalômano. Porque a megalomania consiste em gostar exageradamente de si próprio.

E não contente de gostar somente da sua condição de primeira metade, essa se arremessa loucamente à procura dos outros 50% que lhe faltam para adorar, só chegando à plenitude dessa autoglorificação quando do encontro com a segunda metade.

Aí é o gozo máximo da megalomania: gostar de si inteiro, acabou o narcisismo pela metade.

Onde concluo que o ciúme nada mais é do que o medo terrível de que se venha a perder aquela metade que se encontrou para uma outra terceira metade dispersa, a verdadeira primeira metade.

E não a nossa, que era falsa. O mundo de um ser pela metade tem o horrível nome de solidão. E o feio apelido de abandono.

Crônica publicada em 04/06/95

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