sábado, 2 de fevereiro de 2008



03 de fevereiro de 2008
N° 15499 - David Coimbra


Chegando em casa de madrugada

O Niltão é o seguinte: se ele chega em casa às três da madrugada, e ele vive chegando em casa às três da madrugada, e se a mulher dele está esperando acesona, na sala, de robe e chinelo e rolo no cabelo, braços cruzados no peito, pezinho, tap, tap!

batendo no chão, com a evidente disposição de conferir a hora em que o Niltão chegou e censurá-lo e apoquentá-lo, como soem fazer as mulheres de homens que chegam às três da madrugada, se acontece isso com o Niltão, sabe o que que ele faz?

Ele nem dá oi. Ele vai direto à cozinha.

Ele se agacha ao lado do armário sob a pia e abre as portas do armário e começa a tirar as panelas todas para fora, aquela barulheira de panela batendo em panela e tampa de panela rodando pelo chão e caçarola despencando na laje e chaleira se chocando com panela de pressão, e a mulher:

- Maquequié isso, Niltão?!?

Ele nada, não responde: procura. Até que acha a frigideira. Estende-a para a mulher. E ordena:

- Me frita um ovo! A mulher:

- Hein? - Me frita um ovo!!! - Ovo?

- É! Ovo! Se tu tá acordada até essa hora, então tu pode me fritar um ovo! Me frita um ovo!

E, colocando a frigideira nas mãos da mulher perplexa, levanta-se e marcha para fora da cozinha, que não é o lugar dele. Quando já está instalado no sofá, pé descansando na mesinha de centro, controle remoto apontado para a TV, o Niltão grita:

- Gema mole! Clara dura!

É desta forma que o Niltão conquista as mulheres. Com autoridade. Uma mulher, depois de sentir a autoridade do Niltão, ela não reclama mais; ela mia. Ela ronrona. Ela se torna uma gatinha mansa, porque o que ela quer é um homem para chamar de seu. Sim, é isso que as mulheres querem!

Autoridade, eis o segredo. Um técnico também tem de ter autoridade. Não ser autoritário, não ser turrão, teimoso, mal-educado. Não. Tem que ter a autoridade de quem sabe o que diz.

A autoridade da sabedoria e da experiência. Por isso, saúdo Vagner Mancini. Nunca destrata alguém, nunca é irônico, nunca é autoritário. Porque tem autoridade. Como meu velho amigo Niltão, um homem que sabe como tratar as mulheres.

Mamãe eu quero

O Diogo Olivier sempre conta uma história do Grêmio dos tempos do Cacalo presidente, de um jogo que ele foi cobrir no Rio. O Grêmio andava troncho, refocilando-se na zona do rebaixamento e, naquela noite, ou vencia o Fluminense ou, aí sim, afudaria na lama imunda da segunda divisão.

O Cacalo angustiava-se tanto com a situação que, por consolo, comia todos os dias uma caixa de bombons regada a uísque 12 anos, tarja preta. Resultado: 16 quilos a mais.

Naquela noite quente, o Cacalo sofria com a atuação precária do Grêmio. O suor escorria-lhe em grossas bagas pelas dobras de gordura e empapava-lhe a camisa azul e as calças de tergal.

Por algum motivo, o jogo ocorria na Rua Bariri, o estádio estava semivazio, ouvia-se o som seco da bola sendo chutada, os palavrões dos jogadores, o apito do juiz, o grito de algum torcedor.

Na rua atrás de uma das goleiras findava uma feira livre, as pessoas caminhavam com as cestas cheias de legumes e hortaliças. Na rua que ficava atrás da outra goleira começava um baile para a terceira idade.

A orquestra abriu os trabalhos em meados do primeiro tempo, quando o placar continuava fincado no 0 a 0, para desespero do Cacalo. Os dois times jogavam ao embalo de Ray Conniff, som apropriado para o que mostravam em campo.

Mas, no segundo tempo, tudo melhorou: a orquestra passou a executar marchinhas de Carnaval e, entusiasmados com a Mulata Bossa Nova, os jogadores do Grêmio ganharam a partida e salvaram o Cacalo, que, naquela noite mesmo, engoliu outra caixa de bombons com uísque e ganhou outros 500 gramas.

Foi falando das marchinhas de Carnaval que lembramos, eu e o Diogo, daquele dramático episódio gremista. Comentávamos que em lugar algum ouve-se marchinhas carnavalescas, no século 21.

Mas não é verdade: existe um lugar, um único lugar, uma ilha de marchinhas de Carnaval, onde reboam Mamãe Eu quero, Ó Abre Alas, Cachaça Não É Água, Acorda Maria Bonita. Esse lugar são os estádios dos campeonatos regionais.

Pois deparei com um jogo do Gauchão, na TV, dias atrás, e notei que a bandinha da escassa torcida incentivava seu time com um furioso O Teu Cabelo Não Nega.

E vi que é isso que são os campeonatos regionais: são a nostalgia, são a velha inocência, são a saudade de velhos carnavais.

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