sábado, 2 de fevereiro de 2008



03 de fevereiro de 2008
N° 15499 - Moacyr Scliar


O manifesto dos Micos

O que tem a ver Moacyr, este magnífico prenome de origem indígena e que José de Alencar imortalizou em "Iracema", com um apelido tão esquisito?

Vou fazer uma revelação verdadeiramente espantosa, num ato tresloucado daqueles que só se pode cometer a certa altura da vida.

Tenho um apelido.

Por favor, não contem para o pessoal da Academia Brasileira de Letras, mas meu apelido é Mico. Mico, sim, não Ico, como o do meu xará e vizinho Moacyr Kruchin (e que agora administra em Santa Catarina as Pousadas do Ico), nem Mike, como um amigo que tenho nos Estados Unidos (e que, a propósito, é um imitador de primeira). Não, é Mico. Como o nome do macaco.

Sim, eu sei que apelidos são comuns, que José vira Zé, e que Manuela dá Manu, e que Rosanes são mais conhecidas como Rô. Mas o que tem a ver Moacyr, este magnífico prenome de origem indígena e que José de Alencar imortalizou em Iracema, com um apelido tão esquisito?

A pessoa que poderia responder a esta questão já não está entre nós. Minha mãe, Sara Scliar, infelizmente morreu há muito tempo e deixou sem resposta esta e muitas outras indagações. Uma pista poderia ser o apelido de um primo.

Chico (que também não tinha nada a ver com o nome dele, Oscar). Admitindo que existe aí uma rima, será que isto, associado aos laços de parentesco, seria suficiente para explicar por que passei a ser conhecido como Mico? Acho que não.

Mas o fato é que nomes de bichos são muitas vezes usados não apenas como apelidos, mas para fazer alusões ao jeito das pessoas, coisa que o La Fontaine das fábulas sabia muito bem. Um cara pode ser feroz como um pitbull; uma mulher exagerada é uma perua, uma moça bonita é uma gata e assim por diante.

Agora, nesta fauna o mico não goza de uma posição muito favorável. E sabem por quê? Porque ele é muito parecido com os humanos. O mico faz micagens, gestos e caretas que também fazemos. Achamos graça dos micos para não termos de rir de nós próprios.

Não é de admirar, portanto, que o mico faça parte de um tradicional jogo de cartas, no qual o objetivo é formar pares de cartas. Mas o mico não tem par; ele é solitário e dá azar: quem fica com essa carta é penalizado. Paga o mico.

A expressão logo adquiriu o significado de dar vexame. E pegou. Há um livro chamado A Arte de Pagar Micos, da consultora Regina Araújo. Há uma música da Angélica, Pagando Mico, que diz:

"Papai pegar na porta do colégio filho adolescente/ é pagar mico/ mamãe tá na saída de uma festa esperando a gente/ é pagar mico/ garota bota bobe no cabelo pra sair na rua/ é pagar mico/ pedir um Big Mac duplo com refrigerante diet/ é pagar mico/ levar rádio de pilha AM e bóia de pneu pra praia/ é pagar mico/ entrar numa de usar filosofia/ quando o papo é onda/ é pagar mico/ chamar a namorada pra lanchar e ela pagar a conta/ é pagar mico".

Entre parênteses, vocês concluem dessa letra que a maior parte das coisas que a gente faz na vida (papai e mamãe que o digam) implica pagar mico.

Manifesto dos micos: "Nós, os micos verdadeiros e os micos assim apelidados, queremos protestar contra o uso que se faz de nosso nome e/ou apelido.

Somos criaturas iguais a todas as outras; revolta-nos a alusão malévola que se faz a nossa condição. Fazemos micagens, e daí? É parte de nosso jeito de ser e vocês têm de nos respeitar.

Do alto das árvores na floresta amazônica (as quais vocês, os anti-mico, estão derrubando) ou do alto dos prédios das cidades, exigimos: chega de deboche! Se vocês querem continuar usando a expressão pagando o mico, então paguem os micos.

Mas paguem mesmo, em moeda sonante (nada de ações, nada de papéis duvidosos). Micos do mundo, uni-vos! O cipó que nos levará ao futuro está à nossa espera, e nenhum Tarzan nos deterá!".

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