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terça-feira, 4 de dezembro de 2007
Brasil - Sonhar e trabalhar
Antonio Delfim Netto - Valor Econômico
4/12/2007
O Brasil é um país diferenciado por sua dimensão geográfica (5º do mundo), por seu estoque demográfico (5º do mundo) por seu PIB total (11º do mundo), mas é ainda um país pobre: a renda per capita é a 58ª do mundo.
Construímos uma unidade invejável do ponto de vista lingüístico, uma tolerância religiosa excepcional e assistimos aos preconceitos étnicos serem consumidos pelo entendimento que é a diversidade que produz a evolução criadora.
E, muito importante, há um século acertamos todos os nossos problemas de fronteira.
Temos questões graves a serem enfrentadas e que só podem sê-lo pelo crescimento robusto.
Este depende da continuidade de políticas sociais e econômicas adequadas que, ao cuidarem do curto prazo, não esqueçam que estão limitando as opções do longo prazo: elas devem ter no seu radar os obstáculos dos próximos 25 anos.
É nisso que nos afastamos dos companheiros com os quais constituímos os BRICs: Rússia, Índia e China. Isso é claro quando consideramos as taxas de crescimento da última década.
O caso da Rússia é excepcional. Depois de ter pago um custo fantástico na tragédia humana e material produzida por ¾ de século de socialismo "real", encontrou um rápido crescimento auxiliado pela expansão de suas exportações de petróleo e gás para a Comunidade Européia.
Entretanto, está longe de ter resolvido os seus problemas: a diversidade lingüística, os preconceitos étnicos e religiosos e as relações conflituosas com a maioria dos países vizinhos com os quais faz fronteira.
O progresso econômico parece estar sendo acompanhado por uma visível involução política. Seu nível de renda per capita, em paridade de poder de compra, é hoje 35% maior do que o nosso.
As mesmas dificuldades internas tem a Índia, uma democracia consolidada numa federação extremamente complicada, com uma imensa diversidade lingüística, cultural, religiosa e disputas fronteiriças não resolvidas.
Ela abriga hoje uma população de 1,14 bilhão de habitantes (6 vezes maior que a do Brasil) que cresce à taxa de 1,4% ao ano e se urbaniza à taxa de 2,3%. Sua renda per capita é da ordem de 40% da brasileira, em paridade do poder de compra.
A China tem, também, graves problemas: imensa diversidade étnica, religiosa, lingüística, disputas fronteiriças e um sistema político extremamente fechado, que sustenta um desabrido capitalismo selvagem aberto para as exportações.
Tem hoje população de 1,33 bilhão de habitantes que cresce à taxa de 0,6% ao ano e se urbaniza à taxa de 2,7%. Sua renda per capita é da ordem de 85% da brasileira.
Os fatores que condicionam (não que produzem) o desenvolvimento econômico são: 1) a disponibilidade de energia adequada à natureza da demanda; e 2) o equilíbrio em conta corrente no médio prazo, que depende da taxa de câmbio real.
Dos quatro BRICs, a Rússia parece bem situada no longo prazo: tem ampla disponibilidade de energia (petróleo, gás, carvão, atômica) e clientes à mão com capacidade de pagar.
China e Índia parecem, também, preparadas para superar a restrição externa, com a exportação de manufaturados e de serviços, respectivamente.
Os dois, entretanto, deverão ter alguma dificuldade em resolver o problema da energia no transporte, se os preços do petróleo continuarem nos níveis em que se encontram. Com boa probabilidade devem manter seus atuais ritmos de crescimento.
A novidade no quadro dos BRICs virá - se vier - do Brasil. Temos a possibilidade de aumentar nossa oferta de energia no longo prazo (sem deixá-la faltar no curto!) com o petróleo (agora reforçado pelas novas descobertas), com o etanol e com o biodiesel.
O condicionante externo exigirá, entretanto, uma política industrial-exportadora mais ativa, capaz de sustentar a nossa capacidade de importar quando o ciclo agrícola-mineral, que depende do crescimento mundial, encontrar o seu equilíbrio.
Estamos num momento novo: recuperamos a idéia do crescimento com equilíbrio interno e externo, temos uma política fiscal razoável e o governo incorporou a idéia que pode (e deve!) transferir para o setor privado, com leilões cuidadosos e inteligentes que protegem os consumidores, tudo o que já não pode fazer.
Não há nada no horizonte visível, a não ser um ataque de estultice no governo, que nos impeça de pôr em prática com a urgência necessária uma política capaz de sustentar um crescimento de 5% ou 6% nos próximos anos.
Recebemos um "bônus" demográfico com a redução da taxa de crescimento da população, de forma que não será surpresa se o seu crescimento médio nos próximos 25 anos cair para 1% (contra 1,8% no período 1980-2007).
Parece, portanto, provável que, com governos razoavelmente inteligentes, possamos crescer com equilíbrio interno e externo (com taxa real de câmbio apropriada) e continuar, ao mesmo tempo reduzindo nossas desigualdades de oportunidades.
Nada, a não ser a eventual falta de lucidez e disposição de agir pode nos impedir de crescer nos próximos 25 anos a taxas entre 5% e 6%, com renda per capita crescendo entre 4% e 5%. Isso nos levará à posição marcada, no quadro anexo, em 2030.
A renda no Brasil estará em 2030 (na hipótese de governos inteligentes) em torno do nível em que se encontram hoje Austrália, França, Alemanha e Itália. Sonhar é fácil. Realizar o sonho apenas ligeiramente mais difícil...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
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