terça-feira, 4 de dezembro de 2007



04 de dezembro de 2007
N° 15438 - Liberato Vieira da Cunha


Um tango para Gardel

A profissão mais livre do mundo não é a de quem conduz um monoplano, driblando as nuvens. Não é também a de quem comanda um veleiro, domando as águas.

Não é ainda a de quem acelera um bólido a 300 quilômetros numa pista como a de Monza, ou a de Montecarlo. Ninguém é mais livre do que quem escreve.

A reflexão me veio ao percorrer as páginas de Un Tango para Gardel, um dos muitos livros que comprei na última Feira. O autor, Pedro Orgambide, já partiu, e sua obra chegou a Porto Alegre com quatro anos de atraso, pois não existe Mercosul para a literatura. Trata-se de uma biografia do Morocho del Abasto com um detalhe: na verdade é uma novela.

Assim Orgambide, multipremiado narrador, dramaturgo e ensaísta, lida com os fatos como se fossem lendas, ou veste de realidade o que é pura fantasia.

Perdi a conta das biografias de Gardel que li, desde que comprei, em Buenos Aires, seu primeiro disco, num glorioso outono de minha primeira juventude. Esta última no entanto entrelaça de tal forma ficção e verdade que é melhor não perguntar onde principia a vida ou onde começa a invenção.

Não vou falar aqui das amadas do Zorzal Criollo. Creio que nunca foram tão bem descritas como agora, em seus mais íntimos detalhes de entrega e posse. Não vou comentar o acidente de Medellín, El Quemado ou o Hombre de Tacuarembó.

Me limitarei apenas aos encontros de Gardel com figuras que todos nós conhecemos. Caruso cantou para ele a ária de uma ópera e o aconselhou a conservar a voz de barítono.

Pirandello o ouviu quase uma noite no Café Tortoni. Charles Chaplin lhe falou pela primeira vez na fábrica de sonhos, enquanto caminhavam pela praia de Nice.

Tudo isso aconteceu ou se deve ao talento de Orgambide? O que é a veracidade, o que é o espírito?

Sucedeu mesmo um duelo à bala ou uma noite de amor sob a luz das estrelas? Astor Piazzolla conheceu Gardel em Nova York?

Os artistas semeiam sonhos nos caminhos do mar, como queria Caruso? Gardel contracenou com Bing Crosby e Maurice Chevalier?

Ninguém sabe, só Orgambide. Pois só os escritores são homens livres.

Ótima terça-feira com temperatura elevada e previsão de chuva por aqui.

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