terça-feira, 4 de dezembro de 2007



VITÓRIA DA DEMOCRACIA

Diego Junqueira
Correio Braziliense - 4/12/2007


“Não” à reforma constitucional é o primeiro revés de Hugo Chávez nas urnas desde 1998

No país de 26 milhões de pessoas, menos de 200 mil votos travaram o projeto socialista do presidente Hugo Chávez no domingo.

Simpatizantes da reforma constitucional que alteraria 69 dos 350 artigos da Carta Magna de 1999 foram para a frente do Palácio Presidencial de Miraflores, em Caracas, quando as primeiras pesquisas de boca-de-urna apontaram vitória do “sim”.

Mas, durante a madrugada, quando o boletim com apuração parcial comprovou o triunfo do “não”, a festa mudou de lado.

Chávez admitiu a derrota sem apelar para a responsabilidade de forças do exterior e prometeu continuar impulsionando o “socialismo do século 21” dentro dos limites da atual Constituição.

Aparentando calma, sem a retórica agressiva que caracterizou boa parte da campanha, o presidente discursou em cadeia nacional de rádio e TV para confortar os aliados.

“Não vejo isso como uma derrota. 49% das pessoas votaram a favor do projeto socialista. Isso é um grande passo político. Para mim, é o mesmo cenário de fevereiro de 92 (quando Chávez liderou um fracassado golpe de Estado). E vou repetir o que disse naquela época: ‘Ainda não. Por ora’”, disse o mandatário.

Os principais adversários do presidente comemoraram o resultado do plebiscito, mas manifestaram cautela. Para o ex-ministro da Defesa e general Raúl Isaías Baduel — que começou o ano defendendo o “socialismo do século 21”, mas rejeitou a reforma constitucional —, Chávez ainda tem a intenção de institucionalizar o texto rejeitado no domingo.

“Alerta, venezuelanos. O presidente quis impor um projeto que não é do povo, mas dele mesmo. E pode ser que nos imponha por outro caminho, por meio de leis habilitantes”, afirmou.

Em fevereiro deste ano, a Assembléia Nacional venezuelana aprovou a Lei Habilitante, que ampliou os poderes do chefe de Estado para ele legislar por 18 meses.

Foi isso que permitiu ao presidente propor as alterações constitucionais. “Não mudo uma vírgula do que está na reforma. Vamos continuar a revolução dentro do que permite esta Constituição”, declarou Chávez.

Clima natalino

O resultado anunciado ontem pelo Conselho Nacional Eleitoral contrariou as principais pesquisas de boca-de-urna.

A proposta de reforma foi dividida em dois blocos. O bloco A sugeria a maior parte das alterações, como a ampliação do mandato presidencial de seis para sete anos e as reeleições ilimitadas para chefe de Estado. Acabou rejeitado por 50,7% dos eleitores.

O bloco B previa a permissão de voto para maiores de 16 anos — hoje o mínimo é de 18 anos — e restrições à liberdade de expressão durante o estado de exceção. O “não” ganhou novamente, com 51,05%. A diferença para o “sim”, nos dois casos, foi de cerca de um ponto percentual apenas.

Após a divulgação do resultado oficial, à 1h15 (hora local), uma festa começou em Caracas, decorada para o Natal. Concentrados nas regiões mais ricas da cidade, como Las Mercedes e Altamira, muitos partidários do “não” foram às ruas para, enfim, comemorar uma derrota do presidente, depois de nove anos.

Enquanto alguns diziam que a Venezuela já não queria Chávez, outros eram mais diplomáticos e avisavam que o alvo tinha sido a reforma. Para o principal dirigente estudantil, Yon Goicochea, “a vitória do ‘não’ é uma vitória de todos os venezuelanos, para construirmos uma nova pátria”.

O alerta do general Baduel foi o único que destoou do clima de reconciliação preconizado pelos líderes da oposição. “Não se trata de Bush ou de Fidel Castro. Não se trata de Morales ou de Uribe.

Trata-se dos venezuelanos. Temos de acabar com essa divisão, e o presidente pode liderar esse processo”, disse Leopoldo López, prefeito de Chacao, um dos cinco municípios de Caracas.

O governador do estado Zulia, Manuel Rosales — adversário derrotado por Chávez nas eleições de 2006 — afirmou que o resultado do plebiscito cria condições para a paz.

“Propomos que se aprovem, ainda este ano, duas leis previstas na reforma: a lei de fundo social para os trabalhadores independentes e a lei de redução da jornada de trabalho.”

Um dos fatores para a derrota chavista foi o alto índice de abstenção (44,1%). Muitos simpatizantes do presidente decidiram não votar, temendo uma centralização excessiva do poder.

Chávez acatou o resultado e pediu à oposição que reconheça o valor das instituições venezuelanas. “Aqui não há nenhum ditador. Vamos respeitar nossas diferenças”, concluiu.

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