segunda-feira, 3 de dezembro de 2007



03 de dezembro de 2007
N° 15437 - Luiz Antonio de Assis Brasil


Palavras (20)

Corpo - Nosso corpo é nosso estranho.

É um Outro que não dominamos. Ele nos constrange, nos envergonha, nos perturba. Mesmo o atleta desconfia de seu corpo. O atleta suspira, não pelo que é agora, mas pelo que será dentro de dez anos.

Nosso corpo é exigente e diário. Ele nos falha no declínio do domingo e nas pastosas manhãs da segunda-feira.

Nascemos com o corpo, morremos com ele. Ele decide o momento de nossa morte, assim como o instante de enxergarmos a luz pela primeira vez. Em sua errância, ele é uma frivolidade.

Temos um diálogo intransitivo com nosso corpo. Enquanto ele fala de vísceras, sangue, hormônios, músculos e órgãos, nós falamos da alma.

Estamos sempre em desvantagem: a mais nobre teoria metafísica pode acabar por um instável coágulo que sai da perna e chega ao cérebro.

Gesto - Jovens, pegávamos a pesada mala e a colocávamos no bagageiro. Era uma operação que não passava pelo espírito.

Era um gesto soberano do corpo.

Hoje, temos de pensar antes de empunhar a alça.

Decimus Junius Juvenalis - Ele estava certo o dizer: mens sana in corpore sano. Se nosso corpo está enfermo, e não colaboramos para essa decadência, para esse tumor, para esse câncer, para esse cálculo renal, para essa cárie, para esse enfisema e esse enfarte, a mente sadia serve-nos para quê?

O contrário, porém, não é verdadeiro: um corpo hígido dar-nos-á tempo para, talvez, recuperar a mente do domínio das sombras.

A dor - A dor nos órgãos internos é mistério maior do que o corpo. Se existe o corpo, existe a dor. O médico disse: a dor é sinal de que algo não está bem com nosso corpo. Hoje podemos entender. Mas o que pensaria o homem das cavernas, sem CTI, sem dolantina, sem cirurgias, sem o emplastro Brás Cubas? A dor apenas existia. A dor apenas fazia sofrer.

De que serve a dor da baleia na imensidão escura das águas marítimas?

Pode-se concluir que a dor é uma invenção dos espíritos não-refinados: para os escritores a dor corporal não existe. Ela é, sempre, uma simples metáfora, e eis um desperdício de talento literário.

Os espelhos - Aquilo que nosso olhar alcança de nosso corpo são as partes mais embaraçosas. É que os olhos são feitos para olhar para as outras pessoas.

Olhar-se, esse verbo de conjugação pronominal, é uma obscenidade. Surgiu com a invenção dos espelhos. Todo espelho esconde uma solerte obscenidade.

As academias de ginástica, por exemplo, possuem imensos espelhos.

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