sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022


04 DE FEVEREIRO DE 2022
DAVID COIMBRA

Uma vitória da ciência graças ao amor

Até meados do século 19, a realização de uma cirurgia exigia, além de habilidade do cirurgião, força de seus auxiliares. Porque, enquanto o médico cortava a carne do paciente, vários homens o prendiam ao leito, para que ele não se debatesse muito. Afinal, não havia anestesia, que só foi inventada em meados do século, em Boston. A pessoa tinha de aguentar ser cortada, aberta, ter seus órgãos removidos e ser costurada de volta. Nem todo mundo suportava o suplício.

Um exemplo nobre:

A rainha Elizabeth era chamada de Rainha Virgem não porque nunca tivesse feito amor com ninguém, mas por outros dois motivos: o primeiro é que ela jamais se casou, apesar da insistência de seus cortesãos. O segundo, bem mais íntimo, é que a rainha sofria de hímen complacente. Isso significa que o hímen dela nunca se rompia, mesmo que houvesse firme e forte penetração. Não era algo positivo, pois, na hora sagrada do sexo, a rainha sofria. Vários médicos se ofereceram para ajudá-la, na época. Não era coisa difícil, bastava um corte pequeno e... voilà! A rainha deixava de ser virgem. Mas Elizabeth não aceitava submeter-se à cirurgia, exatamente porque não havia anestesia.

Quantos pacientes fugiram de procedimentos por essa razão? Quantos morreram por isso? E quem, ainda assim, pode recriminá-los?

Como já contei, a anestesia foi inventada no século 19, em Boston, mas até ela ser usada rotineiramente nas salas de cirurgia houve muitas experimentações. Uma delas liderada por um famoso cirurgião de Nova York chamado William Halsted. Lendo acerca de algumas experiências de um jovem médico de Viena, Sigmund Freud, ele começou a usar a cocaína como anestésico. Deu certo, só que ele, Halsted se viciou. Esse vício quase destruiu sua carreira, ele ficou realmente mal. Teve de se internar numa clínica para se desintoxicar e só depois de um ano recebeu nova chance no Johns Hopkins Hospital, de Baltimore.

Aí a vida de Halsted mudou. Ele conheceu uma linda enfermeira, Caroline Hampton, e por ela se apaixonou. Halsted só queria trabalhar com ela como instrumentalista. Naquele tempo os instrumentos e as mãos dos médicos eram higienizados com ácido fênico, que matava todos os germes, mas que podia ser pernicioso para a pele. E foi, para Caroline. Ela adquiriu uma dermatite severa e avisou Halsted que teria de parar de trabalhar em cirurgias. Halsted ficou desesperado. Mas como era um homem industrioso, buscou a solução: foi até a Goodyear e pediu que eles inventassem luvas finíssimas de borracha, que funcionassem como uma segunda pele. Assim surgiram as luvas cirúrgicas, que até hoje são utilizadas em hospitais e clínicas.

Isto é: graças ao amor, a ciência evoluiu.

É assim que é: a humanidade só progride por causa da necessidade. Sem a dificuldade antes não haverá a solução brilhante depois. Penso nisso a propósito desses nossos difíceis tempos pandêmicos. O que nos trará de bom essa época de suplícios? Tem de haver um lado bom.

Aliás, Halsted casou-se com Caroline. E continuou consumidor de cocaína até o fim da vida.

DAVID COIMBRA

Nenhum comentário: