quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022


03 DE FEVEREIRO DE 2022
O PRAZER DAS PALAVRAS

O que aprendi sobre a nossa língua

Certa feita, quando eu completava quarenta anos de magistério, fui convidado a compartilhar a minha experiência com uma turma de alunos de Letras. Talvez com medo de que eu me entregasse a simples reminiscências e divagações de um veterano, o recado foi sutil mas objetivo: esperavam que eu falasse sobre o que esses anos todos tinham me ensinado sobre a língua portuguesa. Bravo! Não era sobre o que eu tinha ensinado, mas sim sobre o que tinha aprendido - convenhamos, uma magnífica proposta que me levou a este credo, que hoje publico em parte.

1 - Aprendi que a nossa língua está sempre progredindo, e que a ideia, bem difundida, aliás, de que uma língua humana possa "entrar em decadência" é uma das coisas mais tolas que já ouvi - uma espécie de bicho-papão usado para assustar os falantes de boa vontade e fortalecer o discurso autojustificativo dos que se colocam na posição de "defensores do idioma". O ensino da língua, este sim, passa por problemas seriíssimos.

2 - Aprendi que a língua segue seus próprios caminhos de renovação, criando ou importando o que ela necessita e aposentando aquilo de que ela não precisa mais. Este é um princípio óbvio, mas que, como água mole em pedra dura, precisa ser repetido infinitas vezes: vocábulos novos nascem em toda parte, a toda hora. Se são acolhidos, entram para o estoque comum do idioma; caso contrário, vão se perder na poeira dos tempos. Quem vai decidir é o plebiscito silencioso de todos os falantes.

3 - Aprendi que o léxico do Português (como, é bom frisar, o de qualquer outra língua) só pode crescer de duas maneiras: (1) ou recombinando o material que já existe, seguindo os princípios estruturais do idioma, ou (2) tomando por empréstimo de outras língua as palavras que nos fazem falta.

4 - Aprendi que ainda existem autores (e não são poucos!) que, apesar de admitir a ideia de que a língua progrediu muito desde sua origem, pensam, num surto de onipotência, que agora a língua já está pronta e que todo e qualquer processo foi interrompido no momento em que eles vieram a este mundo (aliás, como certos revolucionários acreditam que o devir que levou à revolução se imobiliza assim que ele chega ao poder). Por causa disso, olham com receio, ciúme ou até um pouco de raiva qualquer modificação ou novidade que venha pôr em xeque a sua tranquilidade.

5 - Aprendi que vêm daí os famosos rótulos de neologismo ou de estrangeirismo, ambos de evidente carga pejorativa, aplicados com indisfarçável má-vontade às palavras recém-chegadas - como se elas fossem recebidas com um dedo acusador e gritos de "é nova!" ou "não nasceu aqui!".

6 - Aprendi, por tudo isso, a combater o conceito de neologismo, que revela um lamentável desconhecimento da dimensão temporal da linguagem. Um falante individual não consegue definir com certeza o grau de novidade de um termo, já que a competência linguística varia de indivíduo para indivíduo; o que parece um termo novo poderia ser apenas um termo desconhecido, um termo mais raro ou até, paradoxalmente, um termo tão antigo que caiu no esquecimento. Portanto, rotular um vocábulo de neologismo apenas significa algo como "eu acho que ele não era usado pelo nosso idioma até hoje" - o que talvez pudesse ser dito, de forma muito mais honesta, sem recorrer a -ismo algum: "É a primeira vez na vida que vejo esta palavra".

7 - Aprendi que é justamente aqui que o dicionário assume um papel decisivo, já que é ele que registra o uso do léxico de toda a comunidade linguística. O lexicógrafo, assim, fica investido de um poder gigantesco ao definir quais os vocábulos que vai incluir na sua relação, consagrando assim sua existência e garantindo o seu uso por parte daqueles que querem exprimir-se corretamente como pessoas cultas. Saber "se está no dicionário" é a primeira providência para o falante sentir-se seguro, pois representa uma garantia de que a palavra foi acolhida - embora o inverso não seja verdadeiro: o fato de uma palavra não estar no dicionário não significa necessariamente que ela não exista ou que esteja condenada. (continua)

CLÁUDIO MORENO

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