02 DE FEVEREIRO DE 2022
MÁRIO CORSO
Outras formas de ler
Diana resolveu contar quantos livros estava lendo simultaneamente. Parou no décimo sexto. Nem comecei a somar os meus, mas vai por aí. Dado o tempo que estamos juntos, caberia a pergunta: quem estragou o outro? Como chegamos a isso? Quem começou com esta maneira insana de ler?
Vamos ser claros, não existe uma maneira correta de frequentar os livros. Cada qual inventa a sua. Não recomendo a nossa, mas defendo que as maneiras esdrúxulas, como essa, possam ser válidas. Afinal, para nós funciona.
A bagunça da leitura está já em um ponto que não me interesso em arrumar. Embora seja um caos, não me perco. Existe outro fator: não estou interessado em terminar certos livros. Eu gosto de ficar lá dentro, então vou ficando. Qual a pressa?
Estou lendo A Trama da Vida: como os fungos constroem o mundo, de Merlin Sheldrake. Leio porque eu gosto de biologia. Desde a escola não parei de estudá-la. O livro é ótimo porque demonstra como somos centrados no reino animal e vegetal e esquecemos o reino dos fungos. Depois desse livro você nunca mais vai olhar para o solo da mesma maneira. Vai acordar para a questão contraintuitiva de que os fungos são evolutivamente mais próximos de nós animais do que das plantas, embora vivam em comunhão com elas. O mais interessante: eles são inteligentes.
Essa leitura faz parte de uma tarefa da vida toda, sempre há um livro de biologia na cabeceira. Encaro como se fosse um semestre de faculdade. Gostaria de ter feito uma cadeira sobre fungos. Vou ler Sheldrake durante meses, preparando-me para uma prova, essa é a parte boa, que não virá.
Não faço diferença entre livros de ficção e outro gênero. O prazer de ler o livro acima é igual ao de um romance. Apenas as novelas seduzem pela trama, apresso para saber o desfecho. Os Supridores do José Falero foi assim. O livro me pegou pelo colarinho e me levou até a última página. Foram três dias de aventuras pelas ruas de Porto Alegre. Ninguém domina melhor do que ele o porto-alegrense oral. É um documento, no sentido do registro de gírias e construções de linguagem desses últimos anos. Genial.
Vento Vadio é uma coletânea de crônicas do Antônio Maria. O autor é do tamanho do Rubem Braga, do Fernando Sabino, do Paulo Mendes Campos, apenas nunca reuniu suas crônicas em livro. Este material disperso achou uma forma pela pesquisa de Guilherme Tauil. São quinhentas boas páginas onde mato a saudade de um português como meu pai e meus avós falavam. Leio como quem come sobremesa, três ou quatro crônicas por dia. Vai levar um tempo. Por que faria isso rápido?
A leitura é o meu antidepressivo. Há um resíduo incurável da condição humana. Mesmo que a vida esteja bem, sobra uma angústia de fundo. Preciso de livros para dar conta dela. Quando a coisa aperta, preciso de muitos deles?
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