terça-feira, 1 de fevereiro de 2022


01 DE FEVEREIRO DE 2022
CARLOS GERBASE

Sinal de novos tempos

Não foi simples coincidência. Foi sinal de novos tempos. Assisti, na sequência, a três excelentes longas-metragens dirigidos por mulheres: A Filha Perdida, de Maggie Gyllenhaal, O Ataque dos Cães, de Jane Campion, e O Orfanato, de Shahrbanoo Sadat. Não me programei para dar prioridade a obras de diretoras. Simplesmente procurava diversão e arte, e ali estavam elas. 

Maggie é norte-americana, tem 44 anos e faz sua estreia na direção. Jane nasceu na Nova Zelândia, tem 67 anos e uma longa (e exitosa) carreira no cinema. Shahrbanoo se considera afegã (embora tenha nascido no Irã), tem 31 anos e O Orfanato é seu segundo longa. América, Oceania e Ásia. Realizadoras de três continentes, com trajetórias diferentes, mas com um ponto em comum: seus filmes são uma prova de que as mulheres estão cada vez mais presentes no mundo do cinema, que historicamente é machista e pouco espaço dá à autoria feminina.

Muito já se escreveu sobre os dois primeiros filmes, de modo que vou priorizar o terceiro, dirigido por uma jovem que estudou cinema num dos países mais fechados do mundo para as mulheres. O Talibã, que recentemente voltou ao poder, faz do Afeganistão um estado islâmico fundamentalista, em que os preceitos do Corão colocam a mulher em posição subalterna. Por isso, é surpreendente que Shahrbanoo Sadat tenha conseguido não só fazer seu filme, como o tenha exibido numa sala improvisada em Cabul, sem que os mujahidins aparecessem para acabar com a festa. Ela explica que o financiamento foi europeu, e a filmagem, no vizinho Tadjiquistão, mas fez questão de mostrar em seu país, com apenas quatro cinemas, todos sob controle estatal.

A façanha está relacionada ao fato de Shahrbanoo ser mulher. Seu projeto, aos olhos do poder, não tinha importância. Não foi levada a sério pelas autoridades, que assinaram as autorizações para se livrarem logo dela. Na faculdade, professores e colegas homens também não prestavam atenção nos seus trabalhos. Assim, na maior discrição, construiu um início de carreira sólido. "De certo modo, fico feliz por ter ficado invisível", diz. "Era disso que eu precisava. Neste aspecto, me sinto livre por ser mulher." Com certeza não é este o melhor caminho para as mulheres diretoras de todo mundo. Que seja uma rota bem visível, trilhada com orgulho e sujeita ao mesmo desafio que os homens enfrentam: fazer bons filmes. O cinema agradece.

CARLOS GERBASE

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