31 DE JULHO DE 2021
DAVID COIMBRA
Vamos nos divertir
Sempre digo que a dor do outro não deve ser subestimada. Não há como estabelecer níveis de sofrimento, a não ser que sejam do seu próprio sofrimento. Um obstáculo minúsculo para alguns é intransponível para outros.
Então, se a pessoa diz que está sofrendo, ela deve ser respeitada e, se possível, ajudada. Mas o sofrimento não é, por si, mérito, até porque todos sofremos. Como está na oração: todos choramos neste vale de lágrimas. Tudo depende da forma como você lida com o sofrimento, portanto. Alguns o sublimam, e o produto do sofrimento é a sabedoria. Alguns o vencem, mas se tornam ressentidos. Outros simplesmente não suportam.
Esta semana, a atleta Simone Biles disse que estava sofrendo e que, por isso, abandonaria a Olimpíada. Tomaria essa decisão "em nome da sua saúde mental". Um abalo nos jogos - logo ela, que chegou a Tóquio para ser a maior estrela da competição.
Ouvi e li de tudo sobre a atitude de Biles, das críticas mais acerbadas aos elogios mais melosos. Não concordei com quase nada. Biles tem de ser compreendida; não enaltecida nem crucificada. Ela errou porque esperou chegar a Tóquio para avisar que não queria ir a Tóquio. Outra menina, que poderia ter ido em seu lugar, deve ter ficado bem chateada, lá nos Estados Unidos. Talvez Biles tenha tirado de uma colega a realização da sua vida. Talvez ela a tenha feito sofrer. Mas, uma vez que ela foi ao Japão, acertou ao anunciar que não aguentava mais. Se continuasse disputando as provas nessas condições, comprometeria sua equipe.
Não foi isso, porém, o que mais me interessou neste caso. O que mais me interessou foi Biles ter contado que não se sentia alegre participando das provas. Repare, leitor: dias atrás, escrevi um pequeno texto acerca de Simone Biles para ser publicado na Editoria de Esportes. O texto abria assim:
"Eu conheci Simone Biles. Quer dizer: não assim, de ficarmos parceiros, de tomarmos chopes cremosos juntos. Eu apenas a entrevistei durante os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio. Fiquei diante dela, na zona mista da ginástica olímpica, e me impressionei: ela é bem pequeninha! Tem 1m42cm de altura, imagine. O topo de sua cabeça ficava à altura do meu peito. Ela é também uma simpatia, conversa sorrindo e parece muito satisfeita com o que faz".
Releia essa última frase: "Ela é também uma simpatia, conversa sorrindo e parece muito satisfeita com o que faz".
Ou seja: quando Biles estava feliz com o que fazia, venceu; quando ficou triste, perdeu. Exatamente igual ao que acontece a qualquer um de nós. Não é só nas barras paralelas assimétricas que você precisa estar satisfeito para ter sucesso, também precisa ao varrer uma esquina, como gari, ou a serrar um osso humano, como cirurgião, ou a impetrar um habeas corpus, como advogado, ou a ensinar a regra de três, como professor. Mais até: você tem de estar contente ao tomar o café da manhã com sua mulher, ao dar um beijo de boa-noite no seu filho e ao fazer um churrasco com os amigos no fim de semana. Cada hora do dia tem de ter sua alegria. Precisamos encontrar a alegria, leitor!
Você e Simone Biles não estão mais felizes com o que fazem? Pensem na hora certa de parar, e parem sem medo. A vida só vale a pena ser vivida se for por diversão.
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