24 DE JULHO DE 2021
MARCELO RECH
Um vírus solerte
O vírus da desinformação sobre a covid tem um curso traiçoeiro. Ele é produzido em laboratório, espargido por contas nas redes sociais e se multiplica rapidamente por organismos com baixa imunidade à ciência. Os indivíduos contaminados descartam as medidas de proteção - centenas de pesquisas científicas, jornalismo sério, autoridades confiáveis - e por vezes transmitem o vírus sem apresentar sintomas de fanatismo ou de má-fé: fazem-no porque, no fundo, acreditam ter tido acesso a algo que, por mais estapafúrdio que seja, faz sentido para eles.
Como na covid, não há vacina com 100% de eficácia contra esse vírus. Veja-se o caso dos Estados Unidos. Na mesma semana em que uma empresa enviou quatro turistas ao espaço, uma pesquisa da The Economist/YouGov revelou que um em cada cinco norte-americanos está convencido de que o governo usa as vacinas para injetar chips nos cidadãos. Sim, nos EUA, a maior potência da Terra, um quinto de toda a população adulta prefere crer em uma doidice do que em incontáveis estudos da melhor ciência já produzida até hoje.
Outra pesquisa demonstra quão contagiosas são as esquisitices virais que circulam sem freios pelas redes sociais e em grupos de mensagens. Citado pela Casa Branca, um relatório do Centro de Enfrentamento do Ódio Digital, uma organização não governamental, apurou que 75% das falsidades contra as vacinas nos EUA partiram de apenas 12 personalidades online, criadoras de mensagens que atingiram rapidamente 57 milhões de pessoas.
O mesmo estudo identificou que 95% da desinformação não foi removida pelo Facebook, o que levou o presidente Joe Biden a acusar a plataforma de estar "matando pessoas". Embora pesada, a acusação reflete o estado de indignação com o fato de que, apesar de seu governo ter posto à disposição doses abundantes para toda a população vacinável, apenas metade do país está plenamente imunizada. Com tanto terreno livre, a variante delta impulsionou os casos de covid nos EUA em 200% em duas semanas.
Embora em queda, a chamada "hesitação às vacinas" segue desafiando governos responsáveis. Não adianta chamar os contrários à imunização de otários ou cretinos, porque ataques só os consolidam na posição de ignorância e rejeição coletiva. Mais efetivo é não se hiperdimensionar casos isolados de reações graves às vacinas - estatisticamente desprezíveis - e se demonstrar na prática a eficácia da vacinação em massa. Ou, quem sabe, fazer como o presidente francês, Emmanuel Macron, que jogou a toalha e avisou que só entrarão em bares e restaurantes os que apresentarem um atestado de vacinação. Enfim, um antídoto poderoso contra mentes contaminadas. Touché.
Nenhum comentário:
Postar um comentário