quarta-feira, 28 de julho de 2021


28 DE JULHO DE 2021
DAVID COIMBRA

Um lugar em que tudo é bom

Queria viver no mundo do Instagram. Lá tudo é tão belo, tão ameno, tão bom. As pessoas estão sempre sorrindo, no Instagram, e as mulheres usam pouca roupa. Elas fazem ginástica. Elas adoram mostrar suas barrigas pétreas. Elas comem vegetais.

No Instagram, as mulheres acordam de bom humor. Elas pegam uma grande caneca de café ou chá ou algum líquido mais saudável e vão para frente do computador. Ficam paradas, sorrindo. De repente dizem:

- Bom diaaaaaa...E é um bom-dia animado e feliz.

Nunca fui adiante desse bom-dia, não sei o que elas fazem depois, mas o bom-dia me satisfaz.

Outra coisa legal sobre as mulheres no Instagram: lá elas estalam os dedos, ou dão um pulinho, e mudam de roupa instantaneamente. Você não precisa ficar dizendo:

- Vamos! Tá na hora! Estamos atrasados!

No Instagram, a água do mar é cristalina. Estava olhando para as águas do Japão, nas provas de surfe da Olimpíada. São parecidas com as de Tramandaí: escuras, ameaçadoras, quase barrentas. No Instagram, nunca é assim. Lá, o mar é uma piscina imensa e amorosa.

Mas o melhor do Instagram é que aquele é o lugar da concordância. As pessoas olham o lado bom da vida e se elogiam. As pessoas dizem, umas para as outras: "Eu te amo". Sério, elas dizem isso. Uma moça publica uma foto dela própria e a amiga comenta: "Deusa! Eu te amo!" Nos dias dos pais ou das mães, os filhos postam fotos com os respectivos e se declaram: "Te amo, pai". "Te amo, mãe".

É muito amor. Quando eu era guri, a gente não dizia tanto eu te amo, a não ser que tivéssemos sérias intenções românticas. Ocorre-me agora que eu nunca disse "eu te amo" para a minha mãe. Bom, nem precisa.

Fora do Instagram, o planeta é inóspito. Outro dia, caiu-me nas mãos um antigo texto meu. Não sou de me reler, mas, neste dia, o fiz. Reli meu próprio texto. E, olha, até gostei. Achei bem-escrito, se você quer saber. Ali estavam encadeadas opiniões fortes, algumas que poderiam ser consideradas polêmicas. Isso me surpreendeu. Porque hoje não teria paciência de defender aquelas opiniões. Não porque eram aquelas especificamente. Concordei com tudo o que escrevi (em geral, concordo comigo). O fato é que defender certas opiniões tornou-se cansativo. As pessoas ficam dizendo "tu é isso", "tu é aquilo", e você tem de dar explicação. É aborrecido.

Foi então que entendi que, na época em que escrevi aquele texto, eu vivia no mundo do Twitter, um lugar cheio de pessoas espertas e sarcásticas, pessoas superiores moral e intelectualmente. No Twitter, todos lutam por suas opiniões e para desmoralizar os inimigos. É um terreno conflagrado, sombrio e perigoso, frequentado por um punhado de Bolsonaros e o Jean Wyllys e a Gleisi e outros tipos esquisitos. É melhor não ir lá.

Como aguentava visitar o Twitter, no tempo em que escrevi aquele texto? Isso não sei. Sei que, agora, meu objetivo é levar uma vida de Instagram. Em breve você me verá com a minha caneca de café, sorrindo molemente para a câmera e saudando, animado:

- Bom diaaaaaaaa!

DAVID COIMBRA

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