segunda-feira, 19 de julho de 2021


19 DE JULHO DE 2021
+ ECONOMIA

RESPOSTAS CAPITAIS

FABIO GIAMBIAGI | Pesquisador associado da FGV/Ibre

Com o Brasil já mergulhado em clima eleitoral, um economista espera que, na campanha eleitoral de 2022, o país discuta o que mais importa: como gastar os escassos recursos públicos. Foi para subsidiar esse debate que Fabio Giambiagi (foto), respeitado especialista em contas públicas e pesquisador associado da FGV/Ibre, escreveu o livro Tudo sobre o Déficit Público - O Brasil na Encruzilhada Fiscal. A expectativa, confessa, é de que o livro tenha o mesmo efeito da obra Reforma da Previdência - Por que o Brasil Não Pode Esperar?, de Paulo Tafner e Pedro Nery, ao qual credita o feito de ter aberto caminho para a mudança nas regras de aposentadoria em 2019. A contracapa do livro é do governador Eduardo Leite. Lá no final da entrevista, Giambiagi explica o porquê.

Quem escreve um livro sobre déficit rema contra a maré?

Assim como um livro sobre a reforma da previdência ajudou a formar corações e mentes sobre o tema, tento emular isso. Coloquei um pouco de tudo que aprendi em 35 anos de serviço público. O livro traz também 30 anos de estatísticas fiscais. Quando se olha a tabela, se vê que, gradativamente, as linhas vão sendo povoadas. Quero passar a visão, para o leitor, de que avançamos muito no sentido de ter um painel de controle de primeiro mundo. Em 1995, quando eu ainda era bagrinho, os próprios ministros não tinham a menor ideia do que estava acontecendo, porque não havia um sistema de estatísticas que permitisse identificar os gastos. Agora, não. É fácil identificar o que está pressionando. Existe uma série de questões institucionais, as despesas obrigatórias são um problema sério, mas a ideia que muitas vezes o cidadão comum tem, de que ninguém sabe para onde está indo nosso dinheiro, é um completo equívoco.

Saber para onde vai é uma coisa, decidir para onde vai é outra, não?

O que o sistema político faz com isso são outros quinhentos. Gostaria que o livro e os dados que traz fossem uma peça importante do debate de 2022 para evitar essa situação terrível que o país vive há várias eleições, da qual 2018 foi o paroxismo. Há muito tempo desaproveitamos a circunstância eleitoral para discutir questões de política econômica a fundo. Em 2010, esse debate foi ofuscado pela euforia da época. Em 2014, o governo estava em situação de negacionismo. Era muito claro, para os críticos da política econômica, que o país estava indo para uma situação muito difícil. O governo negou durante a campanha eleitoral, para 24 horas depois dar uma guinada de 180º e chamar o Joaquim Levy para consertar o estrago. Em 2018, não houve discussão nenhuma, com a facada e a indignação que causava a situação do presidente eleito. Espero que a gente possa ter esse debate em 2022, que é o mais importante do país: onde gastar os recursos do contribuinte.

O Brasil passa por essa situação curiosa, em que um problema, a inflação, ameniza outro, o déficit?

Temos um desequilíbrio nas contas de 6% do PIB, isso não é sustentável. Pode até ser uma situação em que se "escreve direito por linhas tortas", mas não vai dar para contar com isso por muito tempo. O Banco Central está fazendo, corretamente, esforço para trazer a inflação perto de 3,5% no próximo ano. É preciso atacar o déficit de forma mais clara. Isso tem de ser explicitado, é equivocado achar que, no ato democrático do voto, o povo dá um cheque em branco para o presidente fazer o que quiser, independentemente do que disse na campanha. Se fizer aumento de gastos ou de impostos, ferindo compromissos assumidos, fica sujeito a estelionato eleitoral. Adotar medidas que não estavam discutidas exaustivamente na campanha é até admissível, mas não pode ser na direção exatamente oposta do que pregou.

Como chegamos ao buraco em que estamos?

Embora exista na opinião pública a ideia de que se paga cada vez mais impostos, isso não é verdade. Era assim 10 anos atrás. Nos últimos 10 anos, houve queda importante da carga tributária. A receita, em 2011, foi de 22,6% do PIB. No ano passado, foi de 19,7%. Claro que tem o problema da pandemia embutido, mas em 10 anos se perdeu 3 pontos percentuais do PIB em receita. É uma enormidade. Se em 2020 tivéssemos o nível de receita de 2011, não só não teríamos déficit, mas teríamos um superávit primário bem razoável. Não dá para voltar àquele nível, mas temos de recuperar perda de carga tributária. Parte do ajuste terá de vir da receita. Com a ideia de que tem de ficar no nível em que está ou cair não tem como fazer ajuste. Essa é uma agenda de 2023, com vistas a 2024.

O que se tentou fazer com a reforma tributária foi um "ajuste pela receita"?

Tenho a impressão de que estamos assistindo a uma peça com vários atos. O primeiro foi a entrega da proposta original, que aparentemente implicava aumento de carga. Houve reação, e agora houve uma guinada de 180º. Terá de ser corrigido nas negociações que ainda ocorrerão. Mesmo que a Câmara aprove com R$ 30 bilhões de perda, muito provavelmente terá de haver nova rodada de negociação no Senado. Pela composição, com ex-governadores e candidatos a governador, tem uma visão mais atenta às unidades da federação. Essa é a vantagem de analisar por projeto de lei, não por medida provisória, porque pode ser mudado e voltar para a Câmara referendar sem risco de caducar.

Como entender essa virada?

Foi mal conduzido pelo ministro da Economia. Quem olha de fora não tem percepção de que exista uma lógica muito clara. Quando se tem um porto, um destino seguro, tem um caminho para chegar. Pode ter gordura, todo projeto de governo tem, mas quando envia algo e, três semanas depois, negocia na direção exatamente contrária, ainda dando a entender que foi enganado por técnicos, fica um ar de certa confusão. O problema é conceitual. Afinal de contas, o que o governo quer, aumentar ou diminuir a carga? Essa falta de direção gera certa perplexidade.

Não é semelhante ao que ocorreu com o orçamento, que era para ser "desvinculado" e acabou apropriado por forças políticas?

Ainda é preciso recolocar essa questão dos eixos do orçamento já para o ano que vem, não deveria esperar 2023. Aparentemente houve, no processo de acordos políticos para eleição do presidente da Câmara, pagamento com emendas parlamentares. Para 2022, tem de ver de forma muito clara, com plena transparência, e evitando a repetição dos vícios ocorridos no orçamento deste ano, que foram vários.

Este ano teria sido acidente de percurso, não uma nova forma de apropriação de recursos?

Aprovava-se um orçamento X, depois contingenciava. Isso gerou uma forte reação dos parlamentares. Tem de encontrar meio termo político. Não é boa essa situação em que uma parcela tem aumentado o comprometimento com despesas paroquiais. O que é preciso, nessa discussão orçamentária de aumentar as despesas discricionárias (não obrigatórias), é aumentar o investimento bom, que faz o país crescer. O que está ocorrendo é um monte de investimentos locais para o parlamentar se reeleger, para ter uma praça melhor, mas não contribui em nada para alavancar o tipo de investimento público que gera ampliação de capacidade. É uma situação horrível, com emendas parlamentares a rodo, e o país sem recurso para realizar o Censo, a base para saber o que fazer com o dinheiro público.

Como você encarou a elevação do fundo eleitoral de R$ 1,8 bilhão para R$ 5,7 bilhões?

É um exemplo do tipo de discussão que cabe ter num debate orçamentário profundo. Era necessário esse montante? Por quê? Como isso afeta o espaço para as demais despesas? Daí a importância de que a despesa tenha limites, para evitar que o gasto aumente sem freios. Tem que ficar claro o seguinte: se alguém tem mais recursos, outra rubrica terá menos.

Por que você convidou o governador Eduardo Leite para escrever a contracapa?

Porque ele é o melhor governador desta safra. Está fazendo, em nível local, as reformas que o Brasil precisa fazer em nível nacional. Convidei, ele aceitou, fiquei muito honrado.

MARTA SFREDO

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