DEBOCHE AOS BRASILEIROS
Um dos preceitos de uma democracia saudável é a realização de eleições periódicas que, por óbvio, têm seus custos. Com o fim do financiamento empresarial, são os recursos públicos, pagos pelo contribuintes, que passaram a bancar grande parte das campanhas. Esta circunstância, no entanto, está longe de justificar o escárnio que foi a aprovação pelo Congresso Nacional da destinação de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral, destinado aos partidos. O valor é mais do que o triplo dos recursos votados pelos parlamentares para o pleito de 2018 (R$ 1,8 bilhão) e 185% acima do montante deliberado para a disputa municipal do ano passado (R$ 2 bilhões).
É claramente desmedido o aumento dos recursos previstos por deputados e senadores, com o beneplácito inclusive da base do governo. Já seria demasiado mesmo que o país e as finanças públicas atravessassem dias de equilíbrio em suas contas e a população gozasse de um período de pleno emprego, ascensão social e economia forte em todos os setores. Mas se converte em um deboche ao se constatar que, pelo contrário, os cofres públicos somam uma série de exercícios com déficit, faltam recursos para áreas essenciais, o Brasil recém começa a se recuperar da pancada econômica causada pela pandemia, o desemprego permanece em níveis recordes e a inflação alta carcome a renda dos cidadãos. O uso cada vez maior da tecnologia, por outro lado, traz opções de realizações de campanhas bem menos dispendiosas do que em pleitos não muito distantes.
A votação do fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, aprovado no bojo da apreciação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022, mostra que o parlamento está desconectado da realidade dos brasileiros. Enquanto dá encaminhamento a propostas de reformas e privatizações tímidas ou carregadas de jabutis, aquém das necessidades e eivadas de distorções, o Congresso mostra-se para lá de ousado quando legisla em benefício dos próprios interesses e de seus partidos. Essa é a sensação que passa para a população, colaborando para borrar ainda mais a imagem dos políticos. Enquanto isso, não há verbas para a proteção ao meio ambiente, cata-se dinheiro para programas sociais, e o censo, essencial para o desenho de boas políticas públicas, não saiu por alegada escassez de recursos.
O texto, agora, vai para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. Se o presidente ainda mantivesse íntegra a sua promessa de implantar uma "nova política", poderia muito bem vetar a proposta. Seria essa a postura mais indicada. Até mesmo uma eventual pirotecnia, reduzindo simbolicamente o valor dessa aberração, não pode ser confundida com moralidade ou rigor. Há prioridades infinitamente mais urgentes se governo e parlamento, de fato, querem investir na fortaleza do sistema democrático nacional.
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