sábado, 17 de julho de 2021


17 DE JULHO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL

O CUSTO DA IGNORÂNCIA

Atribui-se erroneamente a Derek Bo, reitor da Universidade de Harvard (1971-1991), a frase "se pensas que a educação é cara, experimenta a ignorância". Esse aforisma circulou em diferentes versões desde o século XIX, mas foi cristalizado em 1974, em publicações norte-americanas. O conteúdo é claro: a ignorância impõe custo mais pesado do que o necessário para financiar a educação. O Brasil insiste em testar essa verdade, com resultados hoje pungentes: a maior catástrofe de nossa história. Valeu apostar na ignorância?

Quanto à pandemia atual, pode-se calcular o efeito da ignorância. O epidemiologista Pedro Hallal (UFPel) apresentou fórmula amplamente aceita na comunidade científica ponderando o número de mortes no planeta em relação à população para projetar o que seria o quadro brasileiro e assim dimensionar a tragédia aqui vivida. Em dados de 14 de julho, de 7.819.414.193 habitantes do planeta, morreram 4.053.615 pessoas, 0,518% da população. A população de 212.559.417 do Brasil corresponde a 2,71% do total global, o que projeta 110.191 mortes. Todavia, aqui morreram mais de 537.000 pessoas, o que significa ao menos 427.000 mortes excedentes. Nos termos de Hallal, eis o conjunto de erros: "Negar ofertas de vacina, promover aglomerações, promover o não uso da máscara, promover tratamento deficiente e passar uma falsa sensação de segurança à população".

É o negacionismo, e vem junto com demagogia da fé e agressões à ciência e à cultura, em um festival de insensatez. No projeto Quase-oração, realizado por articuladoras(es) culturais no Rio Grande do Sul, a contagem do número de vítimas da covid-19 consumiu, recentemente, mais de 520 horas: o sinistro cronômetro da ignorância letal. Imaginem se fôssemos contar os nomes e sonhos de todas as vítimas. É catástrofe absurda, e tem raiz: a opção pela ignorância.

O efeito nocivo do líder ignorante foi também aferido: nas cidades e nos Estados em que este colheu mais votos em 2018, o contágio e as mortes são proporcionalmente maiores: "Mais votos, menos vidas", conclui estudo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), com números certificados. Todos esses dados ratificam que estamos em meio a um genocídio no Brasil, promovido por ignorância maligna, com responsabilidade letal, e, agora sabemos, ambientado em cenários em que não faltam incúria e corrupção. Poderia ser pior?

Sim, pode ser e é pior. A catástrofe tem mais de um apoiador, o que já é uma multidão, e estes celebram sua parcela de ignorância mórbida em passeios de moto pelas capitais e outras manifestações bovinas. Isso mostra que a epidemia não é somente do coronavírus e suas variantes, mas também de ignorância e outros cacoetes que ora adquiriram gravíssima letalidade. Ademais, por triste ironia, a letalidade dos ignorantes é compartilhada e impõe efeitos sinistros à parcela consciente da população. A ignorância é um mal social e político.

Acender velas aos mortos e todas as luzes possíveis aos vivos, com muita arte, ciência, cultura e educação, eis o que nos resta.

FRANCISCO MARSHALL

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