27 DE JULHO DE 2021
INESQUECÍVEL
RAYSSA, IMPERATRIZ DO BRASIL
Aos 13 anos, skatista maranhense torna-se a mais jovem medalhista olímpica do país ao conquistar a prata no street
Cheguei à pista de skate de Ariake no final da manhã de ontem no Japão com a esperança de cobrir um inédito pódio triplo brasileiro. Como um jornalista ávido por contar grandes histórias, essa era a minha maior expectativa, devido à presença de três atletas brasileiras top de linha nas finais da modalidade street feminino. Por isso, quando foram divulgadas as notas da fase classificatória, que confirmaram a eliminação das favoritas Pâmela Rosa, líder do ranking mundial, e Letícia Bufoni, a quarta, fiquei um pouco frustrado (Pâmela, que competiu com uma lesão no tornozelo, terminou na 10ª colocação, e Letícia, em nono).
Ledo engano. Acabei testemunhando um dos mais importantes e emocionantes capítulos da história do esporte olímpico brasileiro.
Quem me conhece sabe que uma das minhas características como repórter é não me envolver emocionalmente com os acontecimentos. Acredito que a frieza e a objetividade são fundamentais para o jornalista cumprir o seu dever de relatar os fatos que são de interesse público. Bom, se isso for um requisito para uma boa cobertura jornalística, reconheço que eu falhei miseravelmente.
Arrepiei
Quando as notas da final confirmaram a medalha de prata para a jovem maranhense Rayssa Leal, vice-líder do ranking mundial, de apenas 13 anos, me emocionei. Enquanto eu gritava "Rayssa Leal é prata! É prata!" ao vivo no microfone da Rádio Gaúcha (irritando um pouco os jornalistas estrangeiros ao meu lado, que queriam escrever suas matérias em silêncio), me arrepiei. Ali, o jornalista frio e objetivo dava lugar a um brasileiro emocionado.
Esquecendo um pouco a pauta jornalística, lembrei da minha timidez e dos dramas típicos da pré-adolescência que vivia quando eu tinha 13 anos. Invejei a tranquilidade e a leveza com que a Rayssa superava os obstáculos da pista naquilo que deveria ser o momento de maior ansiedade e tensão para ela. Mas não era. Ela competia na primeira final olímpica da história do skate como se estivesse brincando no Marinha.
Depois, na zona mista, Rayssa respondia às perguntas com a naturalidade de quem bate um papo com os amigos no recreio do colégio. Ouvindo suas respostas, assistindo a suas manobras e observando o seu semblante, tive a convicção de que ela não tem nenhuma noção da dimensão do que ela fez. Só a terá daqui alguns anos.
Para ela, naquele momento, parecia só mais uma brincadeira de skate. Uma brincadeira que divertiu milhões de brasileiros de uma forma que ela sequer imagina.
Legado
Relembrar os dilemas dos meus 13 anos é fácil. Mas há uma situação em que, como homem, não tenho como me colocar no lugar. Só tenho como imaginar.
Refiro-me ao drama das milhares de garotas que sonham em andar de skate e não o fazem por conta do preconceito. Essas meninas agora terão uma grande inspiração para ir em busca dos seus sonhos. Só as mulheres sentem de verdade o que é o machismo. E só as garotas que sonham em andar de skate sem os rótulos de uma sociedade preconceituosa e conservadora desfrutarão por completo do legado proporcionado em Tóquio por Rayssa Leal.
Esta foi, sem dúvida, uma das maiores conquistas brasileiras na história dos Jogos Olímpicos. Mais importante e mais emocionante até mesmo do que um inédito pódio triplo.
A pátria de rodinhas
• Após duas medalhas em duas disputas – Kelvin Hoefler também foi prata no street masculino –, o skate brasileiro em Tóquio ganhou mais moral. O esporte volta a cartaz nos dias 4 e 5 de agosto, quando ocorrem as competições da categoria park – outra esperança de pódio para o país
• Nessa modalidade, os skatistas praticam suas manobras nos bowls, grandes bacias de concreto que incluem elementos como halfpipe, corrimãos e rampas
• No feminino, o Brasil tem Dora Varela, 19 anos, 9ª no ranking mundial, Isadora Pacheco, 16, 11ª, e Yndiara Asp, 23, 14ª
• No masculino, Luiz Francisco, 21, vice no Mundial de 2019 e 3º no ranking, Pedro Barros, 26, hexa nos X Games e 4º, e Pedro Quintas, 19, 10º
Um lugar na História
• Com 13 anos e 203 dias (sem contar hoje), Rayssa Leal já havia chegado a Tóquio batendo recorde, como a atleta olímpica mais jovem da história do Brasil. A marca anterior era de Talita Rodrigues, nadadora que foi finalista no 4x100m livre em 1948, nos Jogos de Londres. Na ocasião, tinha 13 anos e 347 dias
• A Fadinha (leia sobre o apelido na página ao lado) tornou-se também a medalhista olímpica mais jovem do país, superando Rosângela Santos, bronze em Pequim 2008, com 17 anos, no 4x100m do atletismo
• Foi um pódio adolescente: Rayssa, que teve como pontuação final 14.64, ficou entre as japonesas Momiji Nishiya, 13 anos, ouro com 15.26, e Funa Nakayama, 16, bronze com 14.49
• No histórico geral dos Jogos, Rayssa é a terceira mais nova a medalhar. O mais jovem foi Dimitrios Loundras, com 10 anos e 218 dias: bronze na ginástica em 1896. A mulher mais nova a ir ao pódio é a ginasta italiana Luigina Giavotti, com 11 anos e 301 dias: prata por equipes nas Olimpíadas de 1928. Em modalidade individual, a mais jovem é a nadadora dinamarquesa Inge Sorensen, que tinha 12 anos e 24 dias quando conquistou o bronze nos 200m peito em Berlim 1936
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