terça-feira, 27 de julho de 2021


27 DE JULHO DE 2021
DAVID COIMBRA

Um lugar proibido para brasileiros

Durante a cobertura da Copa do Mundo do Japão, em 2002, deparei com um curioso cartaz colado no muro de uma rua de... que cidade era mesmo?

Hamamatsu. Acho que foi Hamamatsu.

O cartaz avisava: "Proibido andar de skate". Detalhe: a advertência estava escrita em português. Quer dizer: era para ser lida por brasileiros.

Embora não tenha total certeza de que o cartaz estava em Hamamatsu, faz todo sentido que estivesse lá, porque aquela cidade é a que abriga a maior colônia de brasileiros no Japão. A conclusão é óbvia: os brasileiros, ao contrário dos japoneses, andavam de skate nas áreas públicas da cidade, irritando as autoridades locais.

Quem diria que, duas décadas depois, os brasileiros se consagrariam no Japão exatamente pela prática do skate? E quem diria que os grandes rivais dos brasileiros no skate fossem, exatamente, os japoneses?

Pode-se dizer que ambos, brasileiros e japoneses, tenham alcançado o mesmo resultado (a excelência no skate) empregando métodos diferentes: os japoneses com sua disciplina, praticando o esporte apenas em áreas permitidas; os brasileiros anárquicos, invadindo ruas, rompendo com normas de trânsito, atropelando transeuntes.

Vi outros cartazes escritos em português no Japão. Em alguns bares, eles alertavam, simplesmente: "Proibida a entrada de brasileiros".

Pô! Escrevi colunas sobre isso, na época, e, quando voltei da Copa, recebi um amável convite para jantar com o cônsul do Japão em Porto Alegre. Aceitei o convite. O cônsul foi gentil, disse que havia gostado muito das colunas que eu escrevera sobre o Japão e fez questão de explicar acerca daqueles cartazes.

- É que a cultura de brasileiros e japoneses é muito diferente - observou. - Por exemplo: no Japão, nós temos cinco tipos de lixo, mas os brasileiros não estão acostumados com essa separação, e acabam misturando os materiais na mesma lata.

O exemplo que ele forneceu foi bastante ilustrativo, até porque, naquele tempo, mal e mal estávamos começando a dividir o lixo entre seco e orgânico.

Entendi perfeitamente o que o cônsul quis dizer. O que nos separa do Japão é mais do que meio mundo. São formas de pensar e de ver a vida quase que opostas. Os japoneses têm um senso de coletividade que nós dificilmente atingiremos no Brasil. A começar pela geografia. Lá há pouco espaço. O Japão é uma península. São ilhas rochosas e inférteis habitadas por mais de 125 milhões de pessoas. Há muitos japoneses por toda parte, eles estão sempre próximo uns dos outros. Então, é preciso se respeitar. O japonês não fala alto em público, o japonês evita tocar em outras pessoas, o japonês sempre usou máscara ao ficar gripado, o japonês não anda de skate em áreas proibidas.

O brasileiro espera que o Estado ou as instituições ou algo vago como "a sociedade" resolvam os problemas por ele. Ele, brasileiro, é cioso dos seus direitos. O japonês entende que tem de fazer sua parte na solução dos problemas. Ele, japonês, é consciente dos seus deveres. São quase antagônicos. Mas os dois são bons no skate.

DAVID COIMBRA

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