PARRESIA, DIZER A VERDADE
A palavra parresia junta pan, tudo ou todo, e rhesis, fala (de onde vem retórica), e significa falar tudo, dizer o que deve ser dito, uma forma necessária da verdade; pode ser traduzida como autenticidade, a fala sincera, mas tem contexto político: onde, como e quando pode-se e deve-se dizer tudo. Na Atenas democrática, parresia formava trio de conceitos fundamentais com as palavras isonomia (igualdade diante de uma norma que equaliza) e isegoria (direito de falar); com a parresia, a democracia e a liberdade comprometem-se com a franqueza de verdades valiosas. Eis o maior desafio da história e da vida em sociedade. Estamos preparados?
Em outubro e novembro de 1983, o filósofo historiador Michel Foucault (1926-1984) apresentou na Universidade da Califórnia em Berkeley seis conferências sobre parresia, publicadas em 2013, na revista Prometeus, da Universidade Federal de Sergipe. São algumas das páginas mais vigorosas jamais publicadas sobre verdade e sociedade. Assim define Foucault: "A parresia é uma atividade verbal na qual um falante expressa sua relação pessoal com a verdade e arrisca sua vida porque reconhece o ato de dizer a verdade como um dever para melhorar ou ajudar outras pessoas (assim como a si mesmo)". Eis a palavra e a verdade como fármacos visando ao bem comum.
A política e o poder costumam levar a uma série de cacoetes mentirosos, de ocultação, hipocrisia, demagogia, segredos, manipulações, violações e subordinações ilegítimas. É contra esses vícios e violências que se ergue o compromisso da parresia, para que os falantes na esfera pública usem a liberdade, o espaço e a ocasião de falar para manifestar apenas verdades. Não se trata da verdade proclamada por poderosos, mas do oposto, da necessidade destes ouvirem o que devem, sem adulação ou ocultamento. A aplicação do direito e a busca da justiça vivem dessa necessidade que nem sempre a sociedade consegue garantir e poucos encaram, pois machucar as orelhas dos tiranos, como fez Antígona, não promete confortos.
O primeiro autor grego a usar e explorar os sentidos da palavra parresia foi Eurípides (480-406 a.C.). Na tragédia As Fenícias, que trata da luta dos filhos de Édipo, Etéocles e Polinices, pelo trono de Tebas, a rainha Jocasta (Jo.) recebe o filho exilado (Pol.) e pergunta-lhe como é viver no exílio, para ouvir: "O pior é não dispor de toda a fala". Segue-se diálogo rápido e tenso: Jo.: "Servil é não dizer o que se pensa". Pol.: "Convém tolerar ignorância de reis". Jo.: "Aflige ser néscio com os néscios". Pol.: "Por lucro serve-se contra a índole". (trad. Jaa Torrano).
Das penas do exílio, a pior é não poder falar com sinceridade. É, pois, admirável e irônico que um imigrante haitiano tenha dito a verdade, em Brasília, em março de 2020: "Seu governo acabou!". E desde então foi a sociedade que armou a luta necessária, como antídoto a vírus e governo nocivos. E agora trata-se de reverberar o haitiano e dizer a verdade trágica: é um genocídio cruel e hediondo. E precisamos defender a vida, e já é tarde. Vai pra ágora, com verdade e vigor, que o futuro nos aguarda.
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