sexta-feira, 23 de julho de 2021


23 DE JULHO DE 2021
DANIEL FEIX

O formato do foguete

Na corrida espacial dos empreendedores bilionários, Richard Branson foi o primeiro a deixar a órbita do planeta, há duas semanas. Mas o voo de Jeff Bezos, na terça-feira, responde mais aos feitos de Elon Musk, colega que compartilha com Bezos a obsessão pelo futuro no além-Terra e alimenta com ele uma rivalidade pontuada por provocações.

No Twitter, Musk debochou da sonda Blue Moon, criada pela empresa de Bezos, chamando-a de "Blue Balls", em referência, por óbvio, ao seu formato cilíndrico. Isso em 2019, mesmo ano em que a empresa de Musk apresentou o Falcon Heavy, a versão mais robusta do foguete Falcon, que havia surgido mirradinho, no início dos anos 2000, com 21 metros de altura por 90 centímetros de diâmetro, e agora soma portentosos 70 metros de comprimento por três de grossura.

E desde então, o rolo só cresceu nessa que é uma desenfreada e biliardária competição pela primazia de algo inexplorado, mas, também, um joguinho de bolas e pistolas. Se você acha que estou exagerando, repare no formato do foguete em que Bezos embarcou, nesta semana. Já tem um século que alguns dos maiores gênios da humanidade sugeriram não subestimar o quanto os homens fazem de máquinas e aparatos de poder extensões de sua masculinidade corpórea e, consequentemente, de sua potência presumida.

O problema - e aqui peço licença para mudar um tantinho o tom deste texto, do divertido para o sério - é que essa questão não é meramente simbólica. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, Theodor Adorno coordenou um amplo estudo que se tornaria referencial para entender a formação da personalidade autoritária - que, conforme a pesquisa, pode levar ao fascismo. A partir da análise de casos, mapeou características da psique que tornam o indivíduo propenso ao autoritarismo. Algumas delas: adesão rígida a valores tradicionais, aversão à imaginação (à cultura, à ciência), predisposição ao delírio e à paranoia, gosto por hierarquias entre dominadores e subjugados e... obsessão pelo sexo.

Como medir a obsessão pelo sexo? Em primeiro lugar, admitindo que ela está no inconsciente e, às vezes, se manifesta de forma camuflada, em grande parte, nas relações de poder. Em seu texto, Adorno ressalta que essas características se apresentam misturadas, o que significa que a paranoia delirante pode surgir, veja só, como resposta a recalques sexuais.

Longe de mim achar que Bezos, Musk e Branson são autoritários, seria uma presunção absurda afirmar isso. Estou falando de propensão, algo que é bem mais comum do que se costuma imaginar. Basta que, para além das piadas, preste-se a devida atenção, por exemplo, ao formato do foguete. E à própria pertinência dessas obsessões extraterrenas, no contexto de caos social, pandemia, desigualdade recorde e autoritarismo (muito autoritarismo) em que nos encontramos.

*David Coimbra está em férias

DANIEL FEIX

Nenhum comentário: