quinta-feira, 22 de julho de 2021


22 DE JULHO DE 2021
MAURÍCIO SARAIVA

Os limites da tolerância

Quando surge a notícia de que o DJ Ivis ganhou 250 mil seguidores depois da divulgação do vídeo em que bate covardemente em sua mulher sob o olhar estupefato e conivente de um amigo, tudo o que consigo pensar é nos limites da tolerância.

Sim, porque este colunista convidado para o tão nobre espaço ocupado por David Coimbra é um defensor ferrenho da tolerância como forma de construir uma sociedade aceitável. Aliás, já fiz uma coluna neste reduto de Zero Hora projetando as eleições de 2022 no Brasil e o quanto precisaremos ser tolerantes, o quanto deveremos ser atentos ao que for noticiado ou circular em grupos de WhatsApp porque, afinal, a polarização está desenhada e não tenho certeza de que surgirá a tal terceira via.

Neste momento, porém, a questão não tem viés eleitoral. Trata-se de comportamento assustador de uma sociedade de onde emerge enorme grupo de pessoas que se identificam com o agressor de mulheres e passam a segui-lo. Por que, pelo sol que nos alumia, por que alguém haveria de seguir um homem que materializou em sua atitude tudo o que precisamos considerar intolerável?

Este é o ponto. Os limites da tolerância.

O Brasil de 2021 está intolerante com a diversidade, com o debate de opiniões conflitantes e legítimas, com o diálogo em que um e outro se ouvem, dão tempo e espaço para a argumentação contrária e mesmo sem chegar a uma síntese respeitam a posição antagônica. Vale para a política, especialmente, mas também para o futebol ou para as artes.

Eu sou admirador de Anitta. Tenho-a na conta da única artista brasileira de alcance universal.

Uma mulher de Honório Gurgel que lutou incansavelmente para chegar à posição em que se encontra no cenário musical. Sua vitória na carreira é uma linda história de afirmação feminina, já que Anitta é também hoje uma mulher poderosa. Mas há quem a considere uma cantora menor que fala sempre das mesmas coisas e em nada acrescenta na causa feminista. Para algumas destas pessoas, o ideal é que Anitta calasse a boca. Mas não, né!

É preciso que opiniões tão opostas convivam sem que um queira aniquilar o direito do outro de pensar diferente. Ao mesmo tempo em que se navega nas águas turvas da intolerância quanto à diversidade de opiniões, vê-se disseminada a tolerância para com a homofobia, o racismo, o machismo e, cereja azeda do bolo, a tolerância em relação a gestos como este do DJ Ivis.

Não é raro o assunto estar à mesa e alguém chamar de mimimi a ênfase dos que entendem como intoleráveis a homofobia, o racismo e o machismo.

Neste caso, não há margem de negociação. Toda atitude permissiva em temas tão essenciais para uma sociedade atrasa a luta diária para que não sejamos mais homofóbicos, racistas e machistas. Toda concessão do tipo "a gente não sabe o que ela fez para o cara ter surtado e agredido" representa passos e passos atrás.

Não há o que a esposa do DJ Ivis tenha dito ou feito que justifique as agressões chocantes a que foi submetida. Como não cabe dizer que a pessoa negra ofendida por uma suposta brincadeira está exagerando ou se fazendo de vítima. Cada pessoa que passou a vida sendo atacada por ser como é sabe da sua dor e do seu limite. Por muito tempo, o limite foi calar e sofrer. Em julho de 2021, não mais.

Então, mais do que lamentar que tanta gente tenha se identificado com DJ Ivis e passado a segui-lo depois do que aconteceu, é preciso ser intolerante com o fato original.

Se não dá para proibir que pessoas cometam a insanidade de seguir nas redes sociais um agressor de mulheres, é fundamental ser intolerante quanto à violência contra a mulher.

Nunca pensei que escreveria uma frase pregando qualquer tipo de intolerância, mas escrevi. E escrevo também que temos que ser intolerantes com qualquer tipo de preconceito.

Tolerância, sim, para conviver com pensamentos políticos e ideológicos divergentes. Para chegar a uma sociedade que conviva com as diferenças típicas de cada ser humano. Porque aí está a delícia de ser humano. Somos diferentes uns dos outros. Viva! Tolerar para avançar até a harmonia dos dissonantes. Este é o limite.

MAURÍCIO SARAIVA

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