17 DE JULHO DE 2021
DAVID COIMBRA
Amar falar
O radialista é assim: ele fala. Claro, todo mundo fala, mas, para o radialista, esse ato tem outro significado. O radialista ama a própria voz, ele ama SE ouvir. Ele pode não ter o que dizer, não importa. O conteúdo não importa. Importa é a forma como se diz qualquer coisa, da declaração da Terceira Guerra Mundial à hora certa.
E o verdadeiro radialista faz com que isso seja diferente. Vou pegar dois monstros do rádio para ilustrar o que digo: o Pedro Ernesto Denardin e o Alexandre Fetter. Eles atuam cada um na sua faixa, mas são, ambos, mestres no que fazem.
Pois um dia, vinha eu no meu carro e, no rádio, o Fetter deu a hora. Ele deu aquela hora de um jeito tão entusiasmado, ele estava tão feliz de dar aquela hora, que fiquei feliz também. "Que bom que é uma e quarenta e cinco!", pensei, empolgado.
O Pedro Ernesto a mesma coisa. Em outra oportunidade, também estava no meu carro e o Pedro informou:
- Aqui! Gaúcha!
Havia tamanho orgulho na voz do Pedro ao lembrar ao ouvinte que ele estava sintonizado na Gaúcha, que pensei: "Como é legal a Gaúcha, que coisa espetacular a Rádio Gaúcha, como é bom trabalhar na Rádio Gaúcha!"
Admiro, e até invejo, essa energia que não tenho.
Mas a maioria dos radialistas não é Pedro, não é Fetter. A maioria, quando fala, apenas emite som. O que não impede que continuem falando. Eles falam e falam. Eles sentem PRAZER ao falar. Mais do que isso: eles se realizam ao falar. Noto que, depois de falar bastante, um radialista se sente inteiro. Ele se sente BEM.
Entenda: ele não fez um discurso que motivou toda uma nação a enfrentar os nazistas, como Churchill, nem declamou um poema tão dramático que fez uma moça desmaiar, como Bilac. Não. Ele apenas informou as condições do tempo e do trânsito e disse que a próxima música era de autoria de Sullivan e Massadas. Mesmo assim, ele se regozijou consigo mesmo. Ele se sentiu completo.
Por quê? Porque ele falou.
Só que isso, esse prazer, essa realização, essa quase necessidade de falar não é característica apenas de quem trabalha no rádio. Veja as redes sociais. As pessoas adoram falar. Mais: elas adoram se mostrar. Na verdade, acho até que minha comparação está errada. As pessoas não se transformaram, todas, em radialistas; elas se transformaram em apresentadores de TV.
"Gente, é fundamental a alimentação saudável", elas ensinam, em seus vídeos. Ou: "Gente, hoje vou mostrar como se cozinha um ovo em que a gema fica mole e a clara fica dura". Ou: "Gente, é muito importante se afastar de pessoas com energias negativas". Ou ainda: "Gente, se tem uma coisa que aprendi nessa vida é que você nunca deve desistir dos seus sonhos". Essas coisas originais.
Elas se filmam fazendo ginástica, elas oferecem conselhos de vida, elas dão dicas de viagens. É sensacional. As redes sociais deram às pessoas a possibilidade de se expressar. Elas precisam se expressar. Mais do que isso: elas precisam FALAR. E elas falam alegremente. O ato mecânico de falar é uma bênção para o internauta. É lindo isso. Graças às redes sociais, teremos muito mais gente se sentindo bem consigo mesma. O que é ótimo. Ainda que elas falem sem parar.
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