29 DE JULHO DE 2021
DAVID COIMBRA
O imortal Catimba
Quando eu e o Nico Noronha terminamos de escrever a primeira edição de A História dos Grenais, no começo dos anos 1990...
Aliás, preciso pagar uma penitência: devia ter feito mais homenagens ao Nico Noronha quando ele morreu, no começo de 2018. Não as fiz talvez porque estivesse em férias, mas as farei oportunamente, prometo.
Por ora, tenho de contar que, quando eu e o Nico Noronha terminamos de escrever a primeira edição de A História dos Grenais, no começo dos anos 1990, passamos a decidir que fotos seriam publicadas na capa. A ideia era fazer algo diferente: o leitor gremista compraria o livro com uma capa com gol do Grêmio; o colorado com um gol do Inter. Para isso foram impressas duas versões: uma com a foto do gol do Grêmio na frente e o gol do Inter na contracapa, e a outra abria com a do gol do Inter e tinha a do gol do Grêmio atrás. Foi uma bossa que achamos que seria considerada genial, mas ninguém deu muita bola para a nossa invenção.
As fotos que escolheríamos tinham de ser simbólicas, deviam sintetizar a própria história do clube. Ficamos semanas discutindo qual seria a foto do Inter, porque a do Grêmio já estava decidida. Foi fácil: concordamos no primeiro minuto do primeiro tempo que seria a do gol de André Catimba no Gre-Nal decisivo do Gauchão de 1977. É uma imagem poderosa, captada no momento mais emocionante de um jogo histórico. O Inter era octacampeão gaúcho e o Grêmio havia montado um time para interromper aquela série de títulos. Em meio ao clássico, pênalti para o Grêmio. Tarciso, que estava no clube havia cinco anos, foi bater. Chutou o chão, e a bola saiu para fora. Foi tão dramático, que os jogadores do Inter correram para consolá-lo. Se o Grêmio perdesse, dificilmente a torcida perdoaria o Flecha Negra. O Grêmio não podia perder.
Não perdeu.
Aos 42 minutos do segundo tempo, Iúra, o Passarinho, deu um passe suave, de perna esquerda, por dentro da defesa do Inter, para André Catimba, que entrava na área em velocidade. A forma como André posicionou o corpo em relação à bola sugeria que ele chutaria de perna esquerda, rasteiro, no lado esquerdo do goleiro Benítez. Mas ele chutou de perna direita, alto, no lado direito. Gol. O gol do título.
Emocionado, André correu para comemorar como de costume: desde que era guri, em Salvador, ele festejava os gols nas peladas de praia dando saltos mortais que encantavam os turistas em visita à Bahia. Naquela tarde de setembro, no Olímpico, ao marcar o gol mais importante da sua carreira, ele tinha de fazer o mesmo. Fez. Só que deu errado. No meio do salto, André sentiu uma distensão na coxa e se esborrachou no chão. Foi esse momento que o fotógrafo de Zero Hora Armênio Abascal Meireles capturou e que nós reproduzimos na capa do livro: a bola está na rede e o meia Tadeu Ricci corre para dentro do gol, olhando para ela, pronto para abraçá-la.
Ao lado da trave, de costas para o fotógrafo, o goleiro Benítez está ajoelhado na grama, devastado pelo revés. E, em primeiro plano, André Catimba voa. Voa mesmo, ele está à altura do travessão, na horizontal, feito um super-herói que decolou da superfície e partiu rumo à imortalidade. Bonito. E verdadeiro. Porque é isso que André Catimba é. Morreu nessa quarta-feira gelada, mas é imortal.
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