terça-feira, 20 de julho de 2021


20 DE JULHO DE 2021
NILSON SOUZA

Saudade do para-choque

Meu primeiro carro foi uma Rural Willys, considerada a precursora dos veículos utilitários esportivos no país. Era uma espécie de jipe tamanho família, com espaço para seis passageiros e para muita bagagem. Tinha câmbio de três marchas, com a alavanca na coluna da direção. Tecnologia simplória, se comparada com os computadores ambulantes de hoje, mas suficiente para transportar os meus 20 anos, todos os colegas de faculdade que pediam carona e metade do time para o futebol de fim de semana.

São muitas razões afetivas para a saudade. Mas, ultimamente, os componentes daquele carro da juventude de que mais sinto falta são os para-choques, que eram verdadeiros trilhos de trem.

Explico: nos últimos dois anos, meu atual carro foi abalroado três vezes na traseira, sempre quando estava parado em semáforo. Na primeira vez, nas proximidades do Beira-Rio, o motorista causador da batida estava distraído, conversando com a acompanhante. Foi um choque leve, mal marcou o para-choque. Ele se desculpou e ficou por isso mesmo.

Nas outras duas, porém, fiquei no prejuízo. Na Baltazar de Oliveira Garcia, o choque foi forte. Quando desci para ver o que tinha acontecido, um jovem motorista de aplicativo pediu desculpas, explicou que estava consultando o celular e não viu que os veículos da frente haviam parado no sinal. Era um sujeito meio-honesto até, se é que me permitem a incongruência. Ocorre que ele se comprometeu a pagar o estrago em duas vezes, mas pagou uma primeira parcela e nunca mais deu sinal de vida.

Já o motorista que me atingiu pela retaguarda na Avenida Ipiranga, na semana passada, era completamente desonesto. Sugeriu que tirássemos os veículos do meio do trânsito para conversar e aproveitou a manobra para sumir na escuridão. Também viajava pelo mundo virtual quando me abalroou.

Aqui está o motivo deste relato que mistura reminiscências com ocorrências: o famigerado celular ao volante. Os irresponsáveis não apenas falam enquanto dirigem, mas também digitam, consultam suas redes sociais e transmitem mensagens. Aí batem e fogem. Escondidos atrás de vidros escuros, sentem-se impunes.

Ando pensando seriamente em adaptar um para-choque de Rural Willys na parte traseira do meu carro.

NÍLSON SOUZA

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