03 DE MAIO DE 2021
DAVID COIMBRA
Jeans em casa - em nome da dignidade
Nunca mais vou usar abrigo. Nunca mais!
Tomei essa decisão no fim de semana. Com essa história de trabalhar em casa e tal, habituei-me a vestir abrigo por ser mais confortável. Calça de abrigo, digo, que casaco jamais usei. Aí, um dia, vinha passando pela frente de um espelho de corpo inteiro e vi minha imagem refletida. Aquela calça molenga, disforme, menos íntegra do que um pijama. Parecia Glip e Glup, criaturas capazes de assumir múltiplas formas, dos Herculoides. Senti um laivo de desprezo por mim mesmo e murmurei baixinho:
- É a decadência... A decadência...
Mas, como dizia Lobão a respeito de Monique Evans, você pode ser decadente e manter a elegância. Foi a minha opção. Resolvi usar calças jeans mesmo em casa. Se não garante a elegância, pelo menos preserva a dignidade.
A verdade é que abusamos da irreverência no vestir. É uma das desgraças dos países tropicais. Na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, você pode pôr um sobretudo. Está certo, pouco usei sobretudo quando morei nos Estados Unidos. O que usava, no inverno, era minha jaqueta preta da North Face, térmica, impermeável, uma delícia.
Essa jaqueta, eu a vestia no primeiro dia de frio, 31 de outubro, quando estávamos festejando o Halloween. Era ela, mais minhas maravilhosas botas Ugly, que foram desprezadas pela ignorância estética do Admar e do Cabeça quando as calcei no Brasil, mais uma camiseta que os americanos chamam de warm, calças jeans, às vezes com ceroulas por baixo, uma camisa grossa, de preferência xadrez, luvas e touca. Assim ia de 31 de outubro até as fímbrias do meu aniversário, 28 de abril, não raro metendo-me por maio adentro.
Admito, portanto, que não era exatamente elegante, não vestia sobretudo nem chapéu. Mas poderia, se quisesse. Aqui, só o Fiuk bota chapéu, e é estranho, ele usa para cobrir as partes quando pula pelado na piscina.
Cultivo a tese de que a perda da nossa formalidade ao vestir corresponde ao desrespeito com que nós, brasileiros, tratamos uns aos outros. É muita irreverência. O ex-ministro do Supremo, Paulo Brossard, por exemplo, sempre usou chapéu. Um dia, quando ele ia saindo do tribunal, um gaiato lhe deu um tapa amistoso na barriga e comentou:
- Ministro! Qual é a novidade?
E Brossard, impávido colosso:
- Afora essa nossa intimidade, nenhuma...
Adoro essa história.
Conheci Brossard. Sua sisudez ao vestir-se e ao falar impunha respeito. Eu empregava mesóclise quando falava com ele.
Hoje, o presidente da República e os ministros fazem uma reunião, você ouve a gravação deles conversando sobre os rumos do Brasil e parece que ouviu um encontro dos presos do Central. Pudera, o presidente usa camisa de time.
A mesma coisa Lula, que, quando era presidente, foi fotografado de calção e camisa regata, carregando um isopor cheio de cervejas na cabeça.
E a liturgia? Onde fica a liturgia?
Você dirá que a liturgia não nos poupou de maus políticos. Verdade, mas pelo menos havia respeito. Havia dignidade. Eu, em nome da dignidade, não uso abrigo nunca mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário