sábado, 8 de maio de 2021


08 DE MAIO DE 2021
MONJA COEN

MAMÃE

"Minha filha pequenina

Hoje é maior do que eu.

Como a plantinha franzina,

Que do meu amor nasceu,

Minha filha pequenina

Hoje é maior do que eu."

Minha mãe morreu, faz algum tempo. Deixou esse poema acima para mim, na puberdade. Era dinâmica, forte, decidida. Adorava estudar, filosofar. Foi envelhecendo, aquietando, silenciando.

Pude acompanhar seus últimos anos. Assisti-la na velhice, como eu me comprometera na infância. Certo dia, com surpresa, a vi engolir um caroço de azeitona. Ela me parecia tão bem, comia na mesa com todos. Alguns meses depois, não consegui ampará-la de volta à cama, depois do banheiro, deixando-a deitada no carpete enquanto fui buscar ajuda na vizinhança. Acompanhei ela ir se calando e responder monossilábica "é", "é", "é". Depois, nem isso.

Uma dentista veio em casa arrancar os últimos dentes. As amigas, as alunas de declamação, as primas e sobrinhas já não mais visitavam dizendo: "Ela não está mais aí". Ela estava, sim. Sem falar, sem responder, mas estava.

Meu pai vinha. Morava com sua segunda esposa a alguns quarteirões. No início dizia para ela ler o jornal, ver TV. Quando ainda respondia, ela dizia: "É tudo igual".

O que sentiria minha mãe, além da dor, que a fazia soltar gritos ao trocar as roupas, as fraldas? Artrose na junção da cabeça do fêmur. Havia operado de um lado e quase morrera. Nada de outra cirurgia.

Mamãe viveu 96 anos. Saudades.

Eu me deitava na cama, ao seu lado, e a observava. Conversava, mesmo sem respostas nos últimos meses, semanas. Rezava as rezas que ela gostava e as minhas preces budistas. Fazia o arrependimento de todo carma prejudicial.

Às vezes ela me parecia um lama tibetano. Por quê? Não sei.

Parou de comer, parou de beber. O médico desistiu do soro, que já não entrava, as veias tão finas e frágeis. Viveu assim cerca de 15 dias. "No hospital, teria morrido em cinco dias", uma médica me falou. Um senhor espírita comentou: "Ela está fechando todos os chacras conscientemente. Isso é raro e é bom".

Morreu em casa, como sempre me pedira. Sem ser entubada.

A vida é um período em si mesma. A morte é um período em si mesma.

Mamãe estava sentada próxima da janela. Sua mão - aquela mão que me ensinou a escrever meu nome como um trenzinho, na mesa da copa, a mesma mão que gesticulava ao declamar poesias lindas e fortes, a mão que me acariciava e uma vez me deu uma sova, essa mesma mão, agora marcada pela artrose, estava lá, solta, largada.

Médicos, óbitos, funerária, caixão, enterro, preces. Mamãe morreu.

Entrei no seu quarto vazio, ao voltar do cemitério e a ouvi falar dentro de mim: "Há uma coisa sua no meu armário, pegue". Abri e encontrei um rosário budista branco. Nunca mais falou comigo.

Obrigada, mamãe, por ser quem foi e me fazer quem sou.

Mãos em prece

MONJA COEN

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