17 DE MAIO DE 2021
LEANDRO STAUDT
Saudade da roda de mate
As tardes dos anos 1980 eram mais longas. Não sei explicar como, mas eram. No turno inverso da escola, fazíamos muitas coisas em casa. Quando saíamos, um programa frequente da minha mãe era ir à casa das tias para tomar chimarrão. No jardim, na sala ou na cozinha, elas se sentavam e ficavam horas jogando conversa fora. Entre uma pipoca e outra, goles de mate. A cuia passava de mão em mão, de boca em boca. O chimarrão era o passatempo naquelas tardes, com a criançada em volta.
Num apartamento da cidade ou no galpão de estância, a roda de mate tem o mesmo princípio. É um espaço de irmandade, troca de ideias, histórias, desabafos e até fofocas. A erva-mate com água é uma herança dos guaranis, logo incorporada pelos europeus que chegaram a estas bandas do sul do Brasil e aos países vizinhos.
O médico alemão Robert Avé-Lallemant, em 1858, fez viagem pelo Rio Grande do Sul e produziu um detalhado livro, incluindo os costumes. Numa venda no caminho para Santa Maria, foi recebido numa roda de mate. Ele ficou muito surpreso com o ritual, explicando que "perderia o mate toda sua mística significação" se não fosse compartilhado na mesma cuia, com a mesma bomba. Naquela roda, há mais de 160 anos, o estrangeiro escreveu que estavam juntos "um velho capitão, um jovem, um pardo, um mestiço de índio e um português". Classificou como um momento em que "todos os homens se tornam irmãos".
Me faz falta a roda de mate, o espaço de prosa. No início de 2020, quando começávamos a ouvir sobre um tal coronavírus, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, recomendou durante entrevista que os gaúchos dessem "um tempo na roda de chimarrão". Nas entrevistas, outros médicos traziam as primeiras orientações sobre cuidados, como lavar as mãos e não compartilhar a cuia. Logo, vieram regras muito mais restritivas, que nos deixaram mais isolados. Nada de roda de mate. Só o chimarrão. O meu é solitário, uma térmica todos os dias de manhã.
Os países com a vacinação mais adiantada, onde até jovens foram imunizados, estão derrubando aos poucos as restrições. Uma liberação do uso de máscaras aqui, uma aglomeração ali. Não é a normalidade ainda, mas estão no caminho.
Nós também chegaremos lá. Quando dirão que estamos totalmente seguros? Eu não sei vocês, mas já defini a minha regra. Não será a liberação de grandes festas ou o fim da recomendação do uso da máscara. Só vou me sentir tranquilo quando os médicos disserem que a roda de mate está liberada, que poderemos oferecer o chimarrão para os amigos que chegam.
Eu estou ansioso por esse dia. Por enquanto, se me oferecerem um chimarrão, a resposta está pronta. Não, obrigado. Sigo com meu mate solitário.
O colunista David Coimbra está em licença médica - LEANDRO STAUDT | INTERINO
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