sábado, 15 de maio de 2021



15 DE MAIO DE 2021
MARCELO RECH

Os senhores da guerra

A operação na favela do Jacarezinho, que deixou 28 mortos, entre eles um policial, reabriu um dilema que volta e meia desafia o país: como incorporar ao território sob o império das leis as zonas urbanas do Rio de Janeiro que vivem há décadas sob domínio paramilitar? Nas áreas ocupadas por traficantes ou milícias, uma força policial não entra livremente e, se assim o fizer, será recebida à bala pelos que impõem sua constituição paralela. Armas não faltam. Em seu arsenal, os donos do pedaço exibem para quem quiser ver fuzis de combate, metralhadoras, granadas e munição antiaérea e antitanque, coisa que só se encontra em zonas conflagradas.

Para se impor, os criminosos não hesitam em torturar desafetos e traidores, eliminar prisioneiros adversários ou os que resistem a suas ordens. Também controlam a venda de serviços, como internet, gás e TV a cabo e autorizam o funcionamento ou não de outras atividades e do comércio, cobrando taxas de proteção. Enfim, definem suas leis e estabelecem um regime de terror, no qual prendem, julgam e executam quem os contraria, e distribuem benesses com o dinheiro das atividades ilegais para conquistar silêncios e apoios entre a população.

Na prática, algumas áreas do Rio são submetidas à tutela de facções similares à de mini-Estados Islâmicos. No Rio Grande do Sul, registre-se, não há notícia de que a polícia seja impedida de circular em alguma região ou que precise recorrer a helicópteros blindados e carros de combate em suas incursões. No Rio, não. A secular liberalidade com delitos de toda ordem, a promiscuidade de políticos e policiais com bandidos, a leniência com as drogas e fatores como corrupção em larga escala, abismos sociais e até a topografia criaram e mantêm territórios subjugados pelo crime.

A operação no Jacarezinho, porém, evidencia que as forças de segurança estão muito longe de vencer essa guerra não declarada, sentem-se à vontade para cometer atos de barbarismo semelhantes aos que pretendem combater e estraçalham assim quaisquer chances de angariar a colaboração de moradores.

A desenvoltura do tráfico e das milícias deixa claro que invadir áreas urbanas, abrir fogo, colocar vidas em risco, incluindo a dos próprios policiais, e depois abandonar a população à própria sorte é também uma inutilidade estratégica. Antes, é preciso sufocar economicamente, julgar e condenar os chefões que substituem da noite para o dia soldados do tráfico e milicianos mortos por policiais ou facções rivais. Mas para tanto é melhor olhar para além das ruelas e casebres de tijolos à vista. Os senhores da guerra, a exemplo dos que os financiam e realimentam com drogas, armas e olhos fechados, vivem em tranquilidade bem longe dos focos de conflito.

MARCELO RECH

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