segunda-feira, 24 de maio de 2021


24 DE MAIO DE 2021
+ ECONOMIA

?Não é possível existirem empresas vitoriosas em um país fracassado?

Diante de uma pandemia mal administrada, para ficar no diagnóstico objetivo, as organizações que buscam impacto social foram desafiadas. Um dos nomes que reforçaram seu papel foi o de Edu Lyra (foto), fundador da Gerando Falcões. O maior doador da ONG é ninguém menos do que Jorge Paulo Lemann, brasileiro mais rico, que desafia a alcançar altas somas para doar o dobro da quantia. Edu descreve a relação como de "amizade". Nesta entrevista, avalia que o Brasil perdeu a grande oportunidade da crise e que os brasileiros precisam fazer uma "assinatura de longo prazo" com o país.

Como está a volta às ruas da Gerando Falcões em 2021, com o projeto Panela Cheia?

É uma coalizão de três organizações, a Gerando Falcões, a Cufa e a Frente Nacional Antirracista, com a apoio do União SP e da Unesco. Queremos passar a mensagem de que ou a gente se junta ou não sai do outro lado do labirinto. Precisamos construir acordos sociais para fazer essa travessia, que tem sido dolorosa. Quanto mais nos unimos, mais gente salvamos. No Brasil, 20 milhões passam fome, mas a insegurança alimentar afeta 120 milhões. Tem um Brasil que come de forma sustentável, outro que come de forma irregular. Só a Gerando Falcões arrecadou R$ 44 milhões, o que permite alimentar 746 mil pessoas. O valor vem de doações de empresas, como XP, Gerdau, Accenture, Google, e de 90 mil doações de pessoas físicas. É gigantesco para a realidade da filantropia no Brasil.

Com a pandemia, ficou claro que a realidade tem de mudar?

O Brasil não é uma nação desenvolvida em muitos sentidos, e um deles é o da filantropia. No Brasil, os mais pobres doam mais do que os ricos, na proporção da renda. E é um país que não doa a longo prazo. É preciso criar assinaturas sociais, como Netflix, Amazon. O que se entrega para capacitar jovens gera renda e torna o país mais potente economicamente.

Fica algum saldo?

O do conhecimento. As pessoas sabem que vivemos em um país amplamente desigual. Não dá mais para fechar vidro do carro com insufilme para não ver. A conta chegou. O problema da Amazônia, quem vai resolver são os americanos. Quero resolver o da desigualdade com os brasileiros. A desigualdade não nasce sozinha. Tem de desligar essa máquina e construir outra que permita a emancipação social das famílias. E não é só uma decisão moral e ética. Se não resolvermos, a conta vai ser paga por nossos filhos.

Por que a Gerando Falcões replica conceitos empresariais?

Segundo a OCDE, quem nasce pobre no Brasil levaria até nove gerações para conseguir chegar a uma vida desenvolvida. É tempo demais para esperar. O plano é fazer essa travessia social em tempo menor, e não baseada em exceções, como a minha história. Tive um pai bandido, que visitava na cadeia. Temos a responsabilidade de construir oportunidades. Não é possível existirem empresas vitoriosas em um país fracassado.

Como foi a sua aproximação com as empresas que apoiam a Gerando Falcões?

Quando comecei a empreender na favela, sabia que produziria pouco impacto ficando ilhado. Quando tentei fazer a transição, percebi que o muro social era muito grande. Não bastava fazer um furo, era preciso derrubar o muro e construir pontes. Quanto mais muro, mais desigualdade. Agora, estamos constituindo um funding em dólar em Nova York.

Como surgiu a ideia?

Foi uma provocação do Lemann. Ele me disse: ?Edu, o próximo passo do sonho grande é internacionalizar a Gerando Falcões?. A gente não quer ficar dando cesta básica a vida inteira. As forças armadas dos EUA estão investindo US$ 160 bilhões no conhecimento para chegar a Marte. Tem de inaugurar uma corrida social no Brasil, medir as empresas não só pela riqueza que geram, mas pela igualdade social que geram. Não podemos passar sem entregar isso ao Brasil. Isso nos humilha e depõe contra todos nós.

Qual é sua relação com Jorge Paulo Lemann?

De amizade. Bancou um curso de 15 dias em Harvard, já o levei à favela. É mais que um doador, é um cara que me faz sonhar grande. É o maior treinador de gente.

É viável construir pontes em ambiente tão polarizado?

É desafiador. A polarização só faz a gente perder. Poucos lucram com isso. O Brasil perdeu sua maior oportunidade nessa crise, a de juntar a nação, ao menos emocionalmente. Em desigualdade, ainda estamos no século 19, e não é a polarização que vai nos fazer completar a travessia. Líderes se provam na crise e temos a maior crise moderna, possivelmente a maior das nossas vidas.

É factível esperar que o governo se comprometa com isso?

Vejo um governo que está distante disso. Precisa oxigenar, conectar-se com a democracia social, apresentar um plano ao Brasil, reforçar a infraestrutura, os pequenos empreendedores. A ajuda emergencial é muito lenta, a ponto de as pessoas morrerem.

MARTA SFREDO

Nenhum comentário: