sexta-feira, 14 de maio de 2021


14 DE MAIO DE 2021
CARLOS ETCHICHURY

A opção pela violência

Uma operação policial que resulta na morte de 28 pessoas deixa inúmeras dúvidas e pelo menos uma certeza: a ação foi um desastre.

Estou falando sobre o que aconteceu na semana passada na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio, onde vivem 37,8 mil pessoas. Com apoio da Core, a tropa de elite da Polícia Civil, 250 agentes ingressaram na comunidade para cumprir 21 mandados de prisão de suspeitos de aliciar crianças e adolescentes para cometer assassinatos, roubos e até sequestros de trens. Nove horas após o primeiro caveirão ingressar no Jacarezinho, o saldo era de seis presos, 16 pistolas, cinco fuzis, uma submetralhadora e 12 granadas apreendidas, quase três dezenas de mortos - entre eles, o inspetor André Leonardo Mello Frias, 48 anos, que deixou a esposa, um enteado de 10 anos e uma legião de colegas enlutados - e uma comunidade aterrorizada.

Prender ou matar. Essas têm sido as opções do Estado na guerra ao tráfico no país. Como resultado, presídios lotados - em duas décadas, o número de encarcerados saltou de 232 mil para 755 mil e o déficit de vagas nas cadeias, que era de 97 mil, hoje chega a 321 mil. E necrotérios abarrotados. Mortos em operações policiais saltaram de 2.212, em 2013, para 6.375, em 2019 - um aumento de 288% em seis anos. A metade das vítimas tinha entre 15 e 25 anos. Da mesma forma, agentes da lei tombam. Só em 2019, 172 policiais militares e civis como o inspetor André foram assassinados. Os dados integram o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A mais letal operação policial da história do Rio de Janeiro amplificou para o mundo algo que estamos carecas de saber: mortes e prisões se multiplicam sem que o poder do crime organizado diminua. Seguimos, portanto, secando gelo.

São complexas operações policiais em áreas conflagradas, densamente povoadas e cujos alvos estão armados com fuzis, granadas e submetralhadoras. Eu sei. É por isso que incursões assim, sempre que inevitáveis, devem ser precedidas de exaustivo trabalho de inteligência. E contar com grande aparato ostensivo para desestimular eventuais reações. A lógica é evitar confrontos e baixas de ambos os lados e preservar a comunidade.

Não é o que tem acontecido. Em Jacarezinho, não foi exceção. De acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, desde 1989 foram identificadas 23 operações policiais com 10 ou mais mortos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro - as mais sangrentas no Morro do Alemão, em 2007, com 19 mortos, e em Senador Camará, em 2003, com 15 mortos. O caminho da força bruta, apesar de mais curto, tem se mostrado ineficiente. O Estado precisa estar o tempo todo nas periferias, oferecendo o braço armado da polícia, claro, mas garantindo um cardápio de serviços esportivos, culturais e pedagógicos. Caderno, lápis e livros têm mais poder do que um AK-47. Bola na quadra e acesso à internet garantem uma viagem que baseado algum é capaz de oferecer. Não era esse o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), criadas na primeira década deste século? Por que tudo falhou? Abandonou-se de vez o foco em políticas públicas para comunidades em troca de autorização para matar?

Com Estado ausente, quem disputa o coração e as mentes dos adolescentes é o crime organizado. E o RH do tráfico, convenhamos, é eficiente no recrutamento, com salários em dia, armas de última geração e promessa de ascensão rápida na hierarquia social de comunidades para jovens semialfabetizados.

Diante de ações policiais que nos afastam de padrões civilizatórios, é comum cidadãos relativizarem mortes de suspeitos em confronto com a lei. Foi o que fez o vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Antes mesmo de os nomes dos mortos serem divulgados, o general sentenciou:

- É tudo bandido.

Nem todos eram. De acordo com a Polícia Civil, 25 dos 27 tinham alguma passagem pela polícia. Dos que tinham registros policiais, 12 eram por crimes relacionados ao tráfico e os outros por delitos como posse e uso de drogas, roubo, porte ilegal de armas, receptação, lesão corporal e desacato. Dezesseis haviam sido presos. Mesmo que todos fossem bandidos, uma operação que resulta em um policial morto e deixa outras 27 vítimas é inaceitável. Afinal, que polícia queremos e que sociedade estamos construindo?

*O colunista David Coimbra está em licença médica. - CARLOS ETCHICHURY | INTERINO

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