15 DE MAIO DE 2021
ENTREVISTA
A MÚSICA ESTÁ SEMPRE MUDANDO, VIVA
Norah Jones
Cantora, acaba de lançar o disco "?Till We Meet Again", com músicas ao vivo, parte delas gravada em shows no Brasil em 2019
Foi assustador. Em 2002, ainda pagando com dificuldade o aluguel no Brooklyn, em Nova York, Norah Jones sentiu-se tragada por uma máquina. Era apenas seu álbum de estreia, mas Come Away With Me a explodiu pelos ares, garantindo sete troféus do Grammy de 2003 e mais de 27 milhões de cópias vendidas.
Filha da promotora de shows Sue Jones e da lenda do sitar indiano, Ravi Shankar (morto em 2012), Norah foi criada por sua mãe em Grapevine, Texas, e começou a cantar em coros de igreja aos cinco anos. Seu pai, ausente, tornou-se um tabu.
- Se perguntarem sobre Ravi Shankar, a entrevista estará encerrada - disse uma assessora em 2004 aos jornalistas que a entrevistaram no Brasil.
Hoje com 42 anos e dois filhos pequenos, Norah fala com a reportagem desde sua residência, nos EUA, por videochamada. Ela está lançando o álbum com faixas registradas ao vivo, ?Til We Meet Again e não parece angustiada como suas canções. Diz que a solidão que transmite não é o retrato de uma mulher triste. E que o pai (a pergunta sobre Shankar não é mais proibida) a deixou, sim, algumas coisas.
O NOVO ÁLBUM TRAZ UMA COLEÇÃO DE MÚSICAS GRAVADAS AO VIVO COM SONS DA PLATEIA, PALMAS, ASSOBIOS. FOI PARA MATAR AS SAUDADES DO PALCO?
Sim! Na verdade, eu estava ouvindo alguns shows gravados em dezembro de 2019 (feitos em São Paulo e no Rio de Janeiro) para escolher canções a pedido de uma rádio. Aquela turnê foi especial, o calor que senti ouvindo o público foi mágico. Tão bonito que decidi lançar um álbum com o nome de ?Til We Meet Again ("até nos encontrarmos de novo"). Não sei quando poderemos fazer isso.
VOCÊ TEM DOIS FILHOS PEQUENOS EM CASA. COMO A PANDEMIA MUDOU SUA VIDA, UMA MULHER QUE VIVE DA MÚSICA? VOCÊ COMPÕE COM AS CRIANÇAS? TOCA PARA ELAS? TOCA MENOS OU MAIS HOJE?
Em 2020, fiz lives todas as semanas por um tempo. Lives de 15 minutos. Era como eu me conectava com as pessoas. Algumas vezes, toco para meus filhos e é divertido vê-los fingindo que sabem tocar. Eles não sabem, são pequenos, mas é muito bom.
HÁ TRISTEZA NO QUE VOCÊ CANTA, MESMO EM MOMENTOS FELIZES. É POSSÍVEL SABER DE ONDE VÊM ESSES SENTIMENTOS?
Não sei se posso identificar de onde vem isso, realmente não sei, mas posso dizer que não sou uma pessoa triste. E tem uma coisa: não acho que poderia definir minha personalidade pela minha música. Acredito então que eu coloque todos esses sentimentos na música, e que talvez toda essa tristeza vá para ela de forma que me permita não ser uma pessoa tão triste.
MAS O QUE A FAZ SE IDENTIFICAR, POR EXEMPLO, COM CANÇÕES COMO BLACK HOLE SUN, REGRAVAÇÃO DA MÚSICA DO SOUNDGARDEN QUE ESTÁ NO ÁLBUM. A LETRA PARECE SER AINDA MAIS REAL PARA UM BRASILEIRO QUANDO DIZ O TEMPO PASSA PARA UM HOMEM HONESTO E ÀS VEZES É LONGO DEMAIS PARA AS SERPENTES.
Imagino. Amo essa canção faz uns 30 anos, desde que foi lançada. A razão pela qual a toquei vem do dia em que eu estava no teatro em que Chris Cornell havia feito seu último show (em Detroit, antes de cometer suicídio, em 2017, aos 52 anos). Eu estava lá uma semana após sua morte e senti que tocar essa canção seria um tributo a ele. Foi dos momentos mais bonitos que tive no palco. Foi tão cheio de amor por ele, e de tristeza também.
OS BRASILEIROS JORGE CONTINENTINO (FLAUTISTA), MARCELO COSTA (PERCUSSIONISTA) E RODRIGO AMARANTE SÃO SEUS PARCEIROS NO DISCO. O QUE VOCÊ PENSA QUANDO OUVE NOTÍCIAS DO BRASIL SOBRE A PANDEMIA?
É assustador. Porque somos todos irmãos, deveríamos ajudarmos uns aos outros, mas tudo parece ser tão distante, separado. Acho tudo aterrorizante. Vocês devem se sentir desamparados.
VOCÊ GRAVOU THIS LIFE AS WE KNOW IT IS OVER (A VIDA COMO CONHECÍAMOS ACABOU) ACREDITA NISSO?
Sim, para algumas pessoas, sim. Infelizmente, alguns estão vivendo a mudança atual, em meio à pandemia, de modo mais difícil do que outros. Mas essa canção foi escrita antes da crise sanitária, apenas inspirada em um dia triste.
VOCÊ NÃO FALA MUITO DE SEU PAI, RAVI SHANKAR. EM UMA PERGUNTA: O QUE ELE DEIXOU A VOCÊ?
Não sei, acho que esta é uma pergunta difícil de responder. Mas, talvez, meus olhos castanhos, minha cor da pele, minha musicalidade, minha baixa estatura...
Estadão Conteúdo - JULIO MARIA
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