sexta-feira, 21 de maio de 2021


20 DE MAIO DE 2021
ELÓI ZORZETTO

Quem nos educa?

O confinamento do último ano fez aumentar ainda mais o uso da internet. Seja para trabalhar, se informar ou simplesmente para passar o tempo. Nesses meses mais intensivos de leitura, me lembrei de quando era adolescente e ainda estava no Ensino Fundamental. Uma professora usava praticamente as aulas inteiras para recomendar algo que ela achava muito importante: a leitura. Mesmo com todas as limitações sobre a disponibilidade de grandes títulos, ela dizia: "Leiam, mesmo que hoje não faça sentido. Com o passar do tempo, as coisas vão se encaixando e vocês se tornarão pessoas mais esclarecidas, mais preparadas, com senso crítico, mais cultas. Leiam livros, revistas, jornais". E reforçava: "Se não conseguirem comprar livros, retirem da biblioteca pública, se não conseguirem comprar jornais, leiam os de um ou dois dias que ficam largados por aí. Se não conseguirem ler tudo, leiam algumas reportagens ou, pelo menos, as manchetes". Internet ainda era um sonho.

Aquilo ficou na minha cabeça, nunca esqueci. Tentei encaixar as primeiras leituras, mas não pareciam ter nexo. Com o passar do tempo e dedicação, as coisas começaram a clarear, passei a gostar e conhecer um mundo que antes sequer percebia. A leitura tem o mesmo efeito transformador de uma poderosa vitamina cultural. É uma refeição farta, com os melhores sabores para a cabeça. A arte de aprender a gostar de ler tem o mesmo efeito de uma música de uma grande orquestra que começa com um solo de piano ou violino, aos poucos nos envolve, vai crescendo até se transformar em algo indescritível. Mesmo com dezenas de instrumentos diferentes, forma uma linda melodia que nos completa e nos acarinha a alma. Conseguimos viver muito mais do que a experiência da nossa própria vida.

Um dos escritores que sempre me chamou a atenção foi Umberto Eco, falecido em 2016. O professor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano tinha em sua coleção particular cerca de 30 mil livros. No ano passado, depois de um acordo com os herdeiros, uma parte, com as obras mais antigas, foi para a Biblioteca Nazionale Braidense de Milão. As obras mais modernas ficarão em comodato por 90 anos na Universidade de Bolonha, onde ele também lecionava. Cito Umberto Eco porque ele ainda é uma autoridade. Além de um leitor voraz, exerceu enorme influência sobre os meios intelectuais ao estudar os fenômenos de comunicação ligados à cultura de massa. Ele sempre demonstrou muita preocupação com o que é disponibilizado pela internet. 

E perguntava: quem nos educa? Quem são os guardiões da boa educação, da boa informação, do conteúdo construtivo? Um dos maiores críticos e intelectuais contemporâneos ratificava a popular expressão italiana: "De che pulpito viene la predica?". (De que púlpito vem o sermão). É claro que hoje o leitor tem uma quantidade infinita de informação e nem precisa se dar ao trabalho de ir até a biblioteca ou à banca. Ele tem, sim, um trabalho muito maior para verificar se pode confiar naquilo que lhe cai na palma da mão. Involuntariamente pode ser envolvido num labirinto que o conduz a um cipoal espinhento. Há probabilidade de que se torne base para uma prédica torta, na qual a realidade não se encaixa e a orquestra desafina. Claro que qualquer um tem o direito de se expressar. O que também qualquer um tem é o direito de escolher como se informar, saber quem nos educa. É um bom motivo para lutarmos diariamente pelo bom jornalismo.

*O colunista David Coimbra está em licença médica - ELÓI ZORZETTO | INTERINO

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