quarta-feira, 19 de maio de 2021

19 DE MAIO DE 2021
ANDREIA FONTANA INTERINA

Jornalistas em perigo

Estou prestes a completar 10 mil dias em uma das mais antigas profissões do mundo. Zero dia de tédio. E uma empolgação maior ainda hoje, graças à transformação digital.

Eu era uma guria, tinha 16 anos e meio quando coloquei os pés pela primeira vez em um jornal. Gosto dos números e, se você não é como eu, facilito: os 10 mil dias ali de cima formam 27 anos. Estou com 43. Sou um raro caso de quem entrou no jornalismo pela matemática. Explico: uma profe da disciplina que trabalhava no Pioneiro me fez o convite para reforçar o time da diagramação em um tempo em que o desenho das páginas era feito à mão e requeria dezenas de cálculos para encaixar perfeitamente milhares de caracteres, cada imagem, cada fio.

Celular era raro e internet não existia na Redação de 1994, mas bastou colocar os pés lá para desistir do Direito e da Psicologia e prestar vestibular para Jornalismo. Como ter paciência para os ritos processuais ou para o divã - com todo o meu respeito e minha admiração a esses profissionais - quando via descortinar-se bem ali a história cotidiana da minha terra, apuração a apuração, texto a texto, com um roteiro pouco previsível?

Não consigo encontrar ainda um ofício que me fascine mais porque, de verdade, enxergo a mudança que cada matéria é capaz de provocar. Não escrevemos sobre o que gostamos. Escrevemos sobre o que é abrangente, grave, tem caráter histórico, peso no contexto, enfim, sobre o que é importante. É um modo de fazer artesanal, com certa subjetividade, mas um bom jornalista sabe o que é notícia em qualquer lugar do mundo. A gente treina para aplicar esse filtro. E há antídotos estabelecidos para evitar desvios, como quatro anos de faculdade, ter o seu conteúdo questionado pelos colegas antes de qualquer publicação, basear-se em guias de ética de cada Redação e, mais do que tudo, contar com a audiência atenta, que não deixará passar equívocos.

Nesses 10 mil dias de labuta, meus colegas e eu procuramos aperfeiçoar nossas entregas. Em quase todos esses dias, vi a sociedade reconhecer nosso empenho e valorizar nosso papel. Sempre houve críticas, justas em maioria, mas o apoio era geral. Ocorre que, apesar de as audiências terem crescido, nos últimos tempos, a postura de políticos autoritários pelo mundo tem fomentado a hostilidade contra jornalistas. Todos os dias e perigosamente no Brasil, onde menos se espera, temos sido vítimas de agressão moral e até física. Eu mesma fui ameaçada de morte por ter atendido o pedido de uma leitora para que mostrássemos que a casa dela alaga a cada chuva (isso mesmo, sem motivo). E tenho medo. Quase toda semana, vejo um colega ser difamado, outro ameaçado, outro agredido.

Otimista, espero que a sociedade se dê conta de quem ganha e quem perde com uma imprensa fraca e salve os jornalistas.

*O colunista David Coimbra está em licença médica ANDREIA FONTANA | INTERINA

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