sábado, 15 de maio de 2021


15 DE MAIO DE 2021
J.J. CAMARGO

EM BUSCA DO ERRO ZERO

NÃO POR ACASO, OS PROTOCOLOS DE VIGILÂNCIA DA AVIAÇÃO TÊM SIDO APLICADOS COM INSISTÊNCIA NA MEDICINA, E VICE-VERSA

Os pré-requisitos para que as pessoas, em qualquer tarefa, se disponham a ser treinadas são inúmeros. Afinal, se exige não apenas inteligência prática, capacidade de concentração e aptidão ao aprendizado, mas, indispensavelmente, a sensação de importância àquele trabalho que lhe preserve a alegria de fazer, único estímulo capaz de prevenir o afrouxamento que acompanha o enfaro.

Este conjunto de sentimentos e atributos é o único capaz de minimizar a margem de erro, esse fantasma que nos persegue sorrateiro e que, em geral, nos atropela e humilha quando nos sentimos soberbos, cobrando com altas taxas de culpa a pretensão ridícula de sermos donos da excelência.

Mais mortificante é conviver com a consciência da subqualificação, pessoal ou institucional, quando trabalhamos com a vida das pessoas, como, por exemplo, na aviação ou na medicina. Não por acaso, os protocolos de vigilância de uma têm sido aplicado com insistência na outra, e com benefícios recíprocos. Aqueles diálogos do comandante com o copiloto, checklist antes de iniciar um voo, há muito foram adaptados e transferidos para a entrada do bloco cirúrgico dos melhores hospitais.

Na aplicação dessas checagens de rotina, duas lições foram trazidas dos cursos preparatórios para pilotos:

1) Tudo tem que ser rigorosamente checado e nada pode ser presumido, não importando o quanto o óbvio pareça maçante. A imagem didática inesquecível é a do aprendiz de piloto, na beira da pista, aguardando o instrutor e preocupado com tempo cobrado por hora. De repente, chega um cara, pedindo desculpas pelo atraso, embarcam e decolam. Minutos depois, lá embaixo, aportam dois senhores identificados pelas camisetas como instrutores. A presunção de que um devia ser o que o outro supôs que fosse colocou os dois incautos a voar sob proteção divina.

2) A hierarquia do interrogador é perigosamente nociva. Não importa que o cirurgião chefe tenha feito as perguntas elementares. Os imediatos devem repeti-las. A atitude subserviente do subalterno à posição da chefia, muitas vezes imposta por submissão respeitosa, é temerária. Num curso de segurança em voo, um velho comandante senta-se no cockpit e vê ocupando o assento de copiloto um jovem desconhecido. Ele pergunta: "Que idade você tem, meu filho?".

- Vinte e seis anos, senhor comandante!

- Quando você nasceu, eu já tinha 30 mil horas de voo - retruca o mais velho.

Muito improvável que o copiloto se animasse a questionar se a posição do manete lhe parecesse invertida!

Outra exigência fundamental é a permanência da equipe. Porque isso significa domínio completo da rotina, que é caminho mais previsível de quem busque, dentro dos seus limites, a inalcançável perfeição. Segundo uma das muitas ideias brilhantes de Jorge Gerdau Johannpeter, nada desqualifica mais uma empresa, qualquer empresa, de que a alta rotatividade dos seus funcionários. Todo o bom gestor sabe bem o quanto trabalha melhor quem se sente estimulado e protegido pela sensação positiva de pertencimento.

Um último quesito, reconhecido como nunca antes dessa pandemia, é a exaustão das equipes que atuam na UTIs dos nossos hospitais, todos combalidos por uma demanda inusitada, consumidos física e emocionalmente pela imprevisibilidade dos desfechos, pela agudização inesperada de uma doença traiçoeira, pela pressão dos familiares e pelo exercício reiterado da impotência embutido na comunicação de cada notícia ruim.

Superação é a palavra mais usada para definir a atividade desses heróis anônimos, mas também ela tem limite. Ainda mais quando os prazos que alimentam a esperança se alargam indefinidamente.

J.J. CAMARGO

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