11 DE MAIO DE 2021
HUMBERTO TREZZI INTERINO
Um mundo sem Judiciário... e sem justiça
O ataque hacker aos computadores do Judiciário estadual devolveu, por algum tempo, os operadores do Direito à rotina da tinta, do papel e das cansativas discagens ao telefone, quase sempre ocupado. Por uns dois dias, nenhum serviço rotineiro funcionou. Policiais e advogados ligavam direto aos juízes, quando tinham o número. Não tinha o número? Problema dobrado.
Aí o sistema e-Proc, usado para processos recentes, foi recuperado pelo Tribunal de Justiça e os mandados judiciais e depoimentos voltaram a ser documentados virtualmente. Já os processos um pouco mais antigos, movimentados via sistema Themis, continuam parados.
Tive uma boa conversa com o juiz Luís Otávio Braga Schuch, que atua há mais de duas décadas em Camaquã. Diante da instabilidade do e-Proc e da inoperância dos sistemas Themis e e-Themis (uma versão mais recente do seu xará, para processos cíveis e fazendários), o magistrado decidiu fechar o fórum, que já funcionava de forma precária durante a pandemia. Não quer abrir o prédio apenas por abrir, já que há orientação de que os computadores dos funcionários sejam evitados, na dúvida sobre se estão contaminados. Como o município é pequeno, ele passou a receber pedidos e documentos direto de advogados e promotores, por e-mail, que depois são impressos para virarem documentos formais. Cenário que se repete em grande parte das comarcas.
Conheço muita gente de terno e gravata que vibra com essa inoperância judicial. Acham que o Judiciário gasta demais, que tem tendência a libertar criminosos e, por isso, deve ser extinto. Sonham com um mundo sem juízes - e sem advogados, claro, vistos como auxiliares dos magistrados nessa simpatia por bandidos.
É interessante ressaltar como seria esse mundo. Sem Justiça, vigoraria a lei do mais forte, um retorno às cavernas. Comprou numa loja e não recebeu o prometido? Vá se queixar ao bispo, porque juízes já não existem. Foi atropelado, ficou sem poder trabalhar? Não adianta reclamar. Foi demitido, não recebeu o Fundo de Garantia e o patrão não quer pagar seus direitos? Lamento, não há mais a quem apelar. Foi espancado durante um assalto, apenas por diversão? Chama outra turma para dar o troco, já que o Judiciário está extinto. Imaginem que beleza: o planeta transformado numa guerra de gangues ao menor sinal de discordância. A anomia, a ausência do Estado - e da lei.
Ah, mas existe a polícia. OK. Mas, quando o policial comete abusos, a quem esses ativistas anti-Judiciário irão se queixar? Fico imaginando essa gente que se acha séria, ansiosa por um mundo mais simplista, indo morar numa ilha. Lá, eles teriam de conviver com seus opostos: jovens cabeludos, de roupas descontraídas, que dizem que a polícia não é necessária porque ela é sinônimo de opressão. Sem juízes e sem policiais, restaria a esses dois grupos se engalfinharem até os problemas acabarem. Só que não, né?
Pense nisso, enquanto se delicia quando o Estado emperra. A vítima pode ser você. Todos nós, na real.
*O colunista David Coimbra está em licença-saúde - HUMBERTO TREZZI | INTERINO
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