15 DE MAIO DE 2021
FLÁVIO TAVARES
A BURLA
As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) costumam revelar horrores que, entretanto, não levam a qualquer punição ou sequer advertência aos culpados. Exemplo disso foi a CPI do Legislativo gaúcho que, nos anos 1980, apurou o roubo na CEEE no governo Pedro Simon¸ que ultrapassa R$ 1 bilhão em valores atuais. As conclusões da CPI, no entanto, dormem até hoje em "segredo de Justiça" numa vara da Fazenda Pública.
Ao contrário, agora na CPI sobre a Covid no Senado, bastam as revelações contidas nos depoimentos para definir os culpados diretos pelo agravamento da pandemia no Brasil. Primeiro, o ex-ministro Luiz Mandetta contou que Bolsonaro quis alterar a bula da cloroquina (indicada para malária) para usá-la falsamente no combate à covid-19.
Agora, o ex-secretário de Comunicação da Presidência revelou que, em setembro de 2020, o diretor do Laboratório Pfizer escreveu a Bolsonaro oferecendo a vacina (então em fase final de desenvolvimento) e frisando que nada recebera das ofertas anteriores feitas aos ministérios da Saúde e da Economia, além da embaixada do Brasil nos EUA.
O diretor da Pfizer alertou que a urgência era "essencial e crucial" em razão da alta demanda mundial e ao número limitado de doses em 2020. Nenhuma negociação, porém, se estabeleceu com o laboratório norte-americano.
Nosso governo simplesmente ignorou o oferecimento. Eram tempos em que Bolsonaro chamava a peste de "gripezinha" e desmobilizava as apreensões e cuidados da população. O diretor da Pfizer chama-se Albert Bourla (que se pronuncia "buurla"), mas a burla concreta nasceu e cresceu no Palácio do Planalto e nos deixou na contramão.
???
Burla é fraude e dolo com zombaria e escárnio, mas todas as acepções se aplicam ao descaso e desdém dispensado à natureza e ao meio ambiente no Brasil atual.
Talvez por isto, em Washington, John Kerry, ministro para o clima do governo Biden, tenha dito no Congresso que os EUA "não vão tirar a venda dos olhos" ao negociar com o atual governo do Brasil. Lembrou que, na recente cúpula do clima, Bolsonaro prometeu ampliar as verbas para proteger o meio ambiente, mas as cortou de fato.
Mais preocupante, porém, é o projeto de lei aprovado pela Câmara Federal dias atrás em Brasília, que em verdade termina com o licenciamento ambiental. Ao criar a tal de licença "por adesão e compromisso" das próprias empresas, de fato dá ao eventual poluidor o poder de burlar.
Indago: pretender instituir a burla por lei não será ultrajante em si mesmo?
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