sábado, 15 de maio de 2021


15 DE MAIO DE 2021
ELIANE MARQUES

A MATEMÁTICA DAS FAVELAS

Alguém sabe os nomes dos 27 chacinados no Jacarezinho, ou dos 8 chacinados na Candelária, ou dos 21 assassinados em Vigário Geral, em 1993, ou dos 30 assassinados em 2005 na Baixada Fluminense, ou dos 19 assassinados, em 2009, em Padre Miguel? Alguém sabe os nomes dos 27 assassinados no Presídio Urso Branco, em 2002, ou dos 15 assassinados em Guaíra, em 2008? Alguém se lembra dos nomes dos 111 massacrados no Carandiru, em 1992? E as chacinas no Ceará e na zona norte de Porto Alegre, alguém sabe nomear suas vítimas?

Não falamos de coincidência e nem ressuscitamos a ideologia do criminoso nato, da escola lombrosiana, ao registrarmos que, na maior parte dos casos, para continuar a sina dos números, 4 palavras se condensam no corpo dos mortos - favela (ou periferia), criminalidade (ou bandidagem), chacina e negridão.

Favela como designação de moradias em territórios cujos moradores foram abandonados tem sua origem vinculada ao abandono dos ex-escravizados, após a Lei de Terras e a Lei Áurea, ao abandono dos indígenas e sertanejos, todos organizados em torno do projeto utópico de Antônio Conselheiro, e ao abandono dos soldados que, a mando do Estado, promoveram a chacina de mais de 15 mil habitantes daquela comunidade de Canudos, entre 1896 e 1897.

Após o episódio, conhecido como Guerra de Canudos, o Estado, com suas mãos brancas, permitiu que os combatentes passassem a ocupar o Morro da Providência (RJ) em moradias tão precárias quanto às do Morro da Favela, assim apelidado em razão da planta típica do local onde eles haviam montado acampamento na época do conflito.

Na chacina noticiada na semana que passou, a polícia destaca que 25 dos 27 mortos enfavelados tinham antecedentes criminais. O vice-presidente afirma que eram bandidos, a sociedade lamenta que entre eles estivesse algum trabalhador inocente. De um modo ou de outro se aceita a tese encampada pelo Estado de não direito de que bandido bom é bandido assassinado. E soldado bom, também é esse que mata e que também é morto?

Tão absurdo quanto saber o nome dos tantos chacinados é saber que no Brasil há tantas chacinas que se consideram justificadas. O Estado mata para justificar o abandono de quem morre e do corpo também enegrecido quem lhe serve de arma?

As favelas nasceram do abandono de soldados e de chacinados. Nos seus territórios se repete a história da falsa fronteira entre cidadão de bem e bandido morto cujo nome não se sabe por que se lhe nega a condição de humano.

ELIANE MARQUES

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