quarta-feira, 26 de maio de 2021


26 DE MAIO DE 2021
MÁRIO CORSO

Tratamento para lobisomem

Hoje respondo a uma dúvida da leitora Mara Regina, da Capital. Ela pergunta: a psicanálise cura lobisomens?

Cara leitora, infelizmente será uma resposta especulativa. Não encontrei na literatura psicanalítica casos de lobisomens em tratamento. Se algum colega souber, por favor...

Porém a profilaxia é simples, conhecida e eficiente. Como o lobisomem surge quando, depois de seis meninas seguidas nasce um menino, basta a mais velha ser madrinha do guri, que está pelada a coruja. Feito isso, não há desenvolvimento da síndrome e a criança cresce sem sequelas. Desabrochando num adulto sadio, sem nenhum traço de lobisomia, ou qualquer comorbidade lupina associada.

Mas especulando um pouco mais: o que haveria nele para ser curado? E se a cura fosse a aceitação de sua dupla natureza, a alternância ocasional entre ser algo e depois outra coisa? Afinal, passada a lua cheia, ele volta ao normal. Um tanto extenuado, é claro, mas pronto para a vida corriqueira. A propósito, se realmente a metamorfose ocasional fosse fonte de sofrimento, teríamos pedidos de ajuda. Embora de má fama, o lobisomem só causa susto. Não encontramos homicídios, agressões ou abusos ligados ao lobisomem. Ele não mata humanos ou animais, nem se alimenta deles. Em outras palavras, o lobisomem é um problema para ele mesmo. Temos que encarar a verdade: os humanos normais, no sentido de não metamorfistas, são mais agressivos e perigosos do que os lobisomens. Encontre um delegado que tenha problema com lobisomens, já com humanos...

Acredito que o correto seria escutar os lobisomens para saber o que é seu ser. Quais seus reais problemas? O que ele espera da vida? Tem laços verdadeiros e positivos com a comunidade? Outra coisa, escutá-lo nos dois momentos, até para confrontar os discursos. Sou ciente da dificuldade de decifrar uivos, mas a clínica é feita desses desafios.

E creio que, para humanos unicorporais, carentes dessa duplicidade, que não temos nem ideia de como é ser dois em um, poderíamos aprender com eles. Afinal, seria a alternância uma condição estressante, ou uma bem-vinda quebra de rotina? Nem isso sabemos. Nós conhecemos a experiência da bipolaridade, uma mudança radical de humor mantendo a mesmíssima forma. Talvez eles sofram o mesmo preconceito que os bissexuais quando os outros teimam em encaixá-los em categorias fixas, não respeitando sua plasticidade quanto ao objeto de desejo.

Portanto, cara leitora, creio que o lobisomem chega ao século 21 não como uma aberração, mas como um humano qualquer. Livre dos tratados de folclore que o estigmatizavam, pronto para novas possibilidades de se expressar. Assim é o nosso tempo, para o bem e para o mal, cada um sabendo da dor e delícia de ser o que é. E cada um cuidando da própria, eventual, cauda.

MÁRIO CORSO

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