sexta-feira, 21 de maio de 2021


21 DE MAIO DE 2021
CELSO LOUREIRO CHAVES

O antropófago da Cidade Baixa

Um antropófago faz 120 anos! É que uma vez apelidei o compositor Armando Albuquerque de "o antropófago da Cidade Baixa", pois ele começou a compor pelos anos de 1920, onde essas coisas - o modernismo, a antropofagia - estavam na ordem do dia. Armando foi modernista e antropófago à sua maneira, à maneira da Cidade Baixa, fazendo música que só pode ser entendida numa caminhada noturna pelas ruas transversais do bairro.

Estamos a meio caminho entre duas comemorações possíveis: os 120 anos de Armando - agora em junho - e os 35 anos do falecimento, há pouco em março. Estamos tão ocupados com a pandemia e suas ondas que vão e vêm que quase não há tempo ou calma de pensamento para rememorar essas figuras incríveis que uma vez passaram por Porto Alegre e imaginaram a cidade em música.

Na música de Armando há retratos da cidade. A cidade dos modernistas dos anos 1920, a cidade da Ospa e da Rádio da Universidade, na qual Armando se afundou em música e em programas dos quais muito se orgulhava. Da antropofagia porto-alegrense dos primeiros tempos, ele passou para as canções dos 1940 e, quando a Ospa já existia, passou para a música de orquestra. No meio disso, o piano foi seu alter ego.

Foi de uma música para piano, A Mastigação do Bárbaro, que veio minha mania (minha homenagem?) de chamá-lo de antropófago. Mas há também os três Sonhos para piano, o terceiro deles que Armando fez para mim e que sempre toco com o prazer da descoberta. Há a Evocação de Augusto Meyer, remembrança do poeta que foi seu guia e versificador de suas canções. Há muito mais: a cada música que se lembra, outras logo aparecem.

Para depois da pandemia, um plano obrigatório é encarar de uma vez por todas a obra de Armando Albuquerque e dar-lhe voz definitiva. Aí está: se pode aproveitar a efeméride dupla como álibi para mergulhar na música de Armando Albuquerque, sempre na certeza de que é música que carrega algo, ou muito, da alma da cidade. Cidade que habitamos e que, por inóspita que seja hoje, ainda guarda muito daqueles que a ajudaram a ser tudo o que foi e ainda voltará a ser.

CELSO LOUREIRO CHAVES

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