terça-feira, 1 de dezembro de 2020


01 DE DEZEMBRO DE 2020
NÍLSON SOUZA

Reinventando dezembro

E não é que chegamos ao décimo segundo andar do ano mais estranho de nossas vidas? Chegamos um tanto assustados, doloridos, estropiados como sobreviventes de uma interminável batalha farrapa, mas aqui estamos, prestes a dobrar mais uma esquina do calendário. Dezembro é sempre um mês especial. O mês das festas. O mês do Natal. O mês das reuniões familiares. O mês do solstício e do mais longo dos dias para os habitantes desta parte de baixo do planeta.

- Eis aí a prova de que a Terra é plana - me disse outro dia um gozador. - Se fosse redonda, nós a chamaríamos de redondeta.

Ah, o bom humor! Quem chegou bem-humorado ao último mês deste ano insólito merece o troféu Charles Chaplin ou Mister Bean. A propósito, para não deixar passar: sempre tenho a impressão de que a Globo escalou o repórter Alan Severiano para apresentar o quadro da covid por sua semelhança com Mister Bean. Pode ser apenas coincidência, mas não deixa de ser uma forma sutil de atenuar as notícias ruins.

Voltemos a dezembro. Estou convencido de que teremos de reinventar dezembro. Como o vírus não dá trégua, só nos resta apelar para a criatividade, como tanta gente tem feito para sobreviver fora da antiga rotina. No Natal passado (lembram?), nos reunimos com parentes e amigos, trocamos abraços e presentes, viajamos, fomos à praia, praticamos aquela solidariedade anual que nos libera para eventuais excessos. Alguns optaram pelos excessos sem qualquer solidariedade, mas isso também pode ser lançado na conta deste mês extravagante. A impressão, hoje, é de que éramos felizes e não sabíamos.

Pois o desafio, agora, é resgatar um pouco daquela alegria sem correr riscos demasiados. Enquanto a vacina não chega, podemos tentar descobrir as nossas próprias vacinas, principalmente as psicológicas, que nos aliviem das dores do isolamento. Não me peçam sugestões, por favor. Tenho meus livros, meus filmes, meus momentos de conversas online e até alguns afetos que fazem parte da minha bolha presencial, com todos os cuidados possíveis. Mas cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Reinvente o seu dezembro.

De preferência, use o humor. E, por favor, acredite que lá no fundo desta caixa de Pandora redonda que nos leva pelo espaço mora uma meninazinha de olhos verdes. Segundo Mario Quintana, ela sai a cada dezembro para soletrar pacientemente o seu nome.

NÍLSON SOUZA

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