DANUZA LEÃO
A repetição
Dureza é chegar e abrir as malas:
tirar as botas, os casacos de lã, e o pior: a readaptação à vida real
Uma viagem costuma ser assim:
primeiro você inventa, depois se programa, acerta o roteiro, as datas, reserva
o hotel e fica contando os dias para a partida. Ela chega, enfim.
O avião costuma sair à noite, e
como já está tudo resolvido -malas fechadas, quem vai cuidar do gato etc.
etc.-, você passa o dia inteiro sem fazer nada, pensando seriamente na razão
pela qual vai viajar; a casa está tão boa, os amigos por perto, não faz sentido
atravessar um oceano para se instalar num quarto que é a metade do seu e
curtir.
Mas ficou combinado que não se
pode desistir de uma viagem por nada, então, vai; se arrastando, com dor na
coluna, mas vai.
Realidade, seu nome é aeroporto.
Não é preciso falar das horas passadas no avião cheio de crianças barulhentas,
da chegada arrasada, arrastando uma mala de rodinhas com o laptop que levou para
poder ler os jornais do Brasil e saber como vai a política; vamos fazer de
conta que foi tudo uma maravilha.
Até foi, se formos simplistas e
acharmos que o fato de o avião ter chegado e as malas não terem sumido faz com
que uma viagem seja uma maravilha.
Aí você toma um táxi, o motorista
por acaso é simpático, e você vai indo para o hotel de sempre, com o qual sonha
há meses, e durante o percurso pensa, como aliás em todas as viagens: "o
que é que estou fazendo aqui?" e não encontra resposta satisfatória. É bem
recebida, o pessoal do concierge te conhece há anos, larga as malas no quarto e
sai para dar uma volta e se sentir na cidade. Afinal, Paris é Paris.
Percebe que não está com aquela
coceira de comprar alguma coisa, seja o que for, só assim, para nada. Como está
com fome, para num bistrot e pede uma coisa que adora: ostras com um copo de
Chablis. Tá bom, não tá? Devia estar, mas não está. Enquanto toma o vinho,
percebe o quanto já conhece esse filme, que é sempre o mesmo.
Amanhã vai estar melhor, no fim
da semana melhor ainda, adorando tudo e pensando seriamente em se mudar de país
para sempre. Digamos que não para sempre, mas por uns três meses. Pretende até
ir ver uns studios para alugar, mas tem consciência de que não quer fundar um
lar, gosta mesmo é de um hotel, e é isso que procura em uma viagem.
Ainda tendo pela frente três
semanas para curtir sua querida Paris, curte, mas já sabendo como esse episódio
vai terminar. Quando chegar de volta ao Rio, e vir seis sambistas no aeroporto
às 4h da manhã (é véspera de Carnaval), com um calor de 38ºC, vai ter vontade
de dar meia volta e ser moradora de rua em qualquer lugar onde não tenha tanto
samba, tanta alegria, tanta animação, tanto sol.
Dureza é chegar em casa e abrir
as malas: tirar as botas, os casacos de lã, mandar para o tintureiro, e o pior
de tudo: a readaptação à vida real.
Para que isso aconteça, são
necessárias de duas a três semanas, mas um dia acontece. Como felizmente temos
o dom de esquecer, é exatamente nessa hora que se começa a pensar na próxima
viagem, que vai ser, provavelmente, igual a essa e a todas as outras, e assim a
vida continua.
De Paris: eu já sabia que a
livraria La Hune, entre o Café de Flore e o Deux Magots ia se mudar. Mas saber
é uma coisa; ver, outra. Quando me instalei na terrasse do Flore e olhei à
esquerda, no lugar da antiga livraria, vi um espaço vazio, em obras; uma
tristeza.
E quando vi os toldos já no
lugar, com a marca Louis Vuitton, quase chorei. La Hune, símbolo de St. Germain
des Près, cedeu seu lugar para que ali seja instalada uma loja LV? É o fim do
mundo.
No dia 29 de dezembro, nas três
lojas Hermès de Paris havia pouquíssimas agendas para vender, e só alguns
poucos modelos; um verdadeiro choque, para quem não vive sem elas. As lojas
Hermès sem agendas no final do ano? É o fim do mundo.
E enfim uma boa notícia: as
coleções primavera/verão já chegam às vitrines, e tenho o prazer de anunciar
que aqueles sapatos que parecem botas e sobem pelas pernas feito polvos,
deixando as pernas das mulheres com cinco centímetros, já eram.
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