quarta-feira, 2 de janeiro de 2013



02 de janeiro de 2013 | N° 17300
DIANA CORSO

Nostalgia da matinê

Minha infância careceu de matinê. Nunca soube o que era programação dupla: bang-bang seguido de filme de aventuras, capa e espada ou comédia. Estive ausente do cinema da tarde, onde crianças e jovens emergiam do escuro de alma lavada. Em contrapartida, vi surgir os filmes-catástrofe, como Terremoto, quando sentimos pela primeira vez o cinema tremer com os efeitos especiais.

Sem falar do inesquecível pânico e nojo de O Exorcista. Além da diversão da tela, havia o prazer de partilhar em silêncio do mesmo sonho. O cinema é uma escuridão acompanhada, pesadelos não causam ansiedade, desejos não geram culpa. Por isso, não podia ser maior minha gratidão com Peter Jackson, que levou às telas as histórias de Tolkien.

Fui apresentada à literatura do filólogo inglês durante a infância das minhas filhas. O padrinho da mais velha presenteou-a com um exemplar de O Hobbit, livro introdutório da saga, a história que acaba de tornar-se filme. Laura tinha seis anos quando seu pai começou a lhe ler aquelas intrincadas aventuras.

Ela escutava com a respiração suspensa. A operação se repetiu anos mais tarde com Júlia, a caçula, mas, àquela altura, eu mesma já havia entrado no livro. Lembro de ter ido trabalhar sem dormir, incapaz de deixar meus heróis em meio de uma batalha contra Trolls ou nas garras de um dragão.

“Todas as histórias precisam de polimento!”, diz o mago Gandalf num diálogo dessa adaptação de Jackson. Ele tomou liberdades, sim, mas em nome do direito de reapresentar a saga ao público de outro tempo, quase quatro décadas após sua publicação. As histórias da Terra Média nunca deixaram de ser o lar imaginário de sucessivas gerações de jovens iniciados, e no cinema se tornaram acessíveis a todos.

O mago Gandalf é uma espécie de guru da masculinidade e, como está difícil saber como tornar-se homem atualmente, seus ensinamentos vêm a calhar. Quando li o livro, as músicas cantadas pelas personagens, cujas letras Tolkien inseria na trama, me matavam de tédio. Na recente versão filmada, se ouvisse aquele canto dos anões convocando para resgatar sua terra natal, eu teria me alistado! Assim fez o pacato Bilbo, que abandonou a rotina doméstica rumo ao desconforto e, pior, ao perigo.

Suas aventuras resultaram numa história para contar, e foram justamente essas narrativas que levaram seu descendente Frodo à jornada com a Sociedade do Anel. Os humanos fazem-se a partir de histórias, e elas sempre podem ser mais e melhor contadas: no escurinho do cinema, nas páginas de um livro, tanto faz, desde que traga o épico para nossa vida banal.

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