RUTH
DE AQUINO
30/04/2015
- 20h57 - Atualizado 30/04/2015 21h17
Falar ou calar, companheira
Dilma?
Para
qualquer lugar que se olhe, os números justificam a cisão entre PT e
trabalhadores
O 1º
de Maio, Dia do Trabalho, deveria ser uma data de gala para o Partido dos
Trabalhadores. O PT está no Poder há mais de 12 anos, legitimamente eleito em
quatro consultas consecutivas à população. Lula duas vezes. Dilma, mais duas. Por
que então a presidente decide não fazer o pronunciamento tradicional em cadeia
de rádio e televisão para 200 milhões de brasileiros? Por que não agradecer o
voto de confiança dado a ela há apenas alguns meses – que já parecem uma
eternidade?
Medo
de um panelaço pior que o do Dia da Mulher. Panelas novas, panelas importadas,
panelas velhas, panelas arranhadas. Medo do barulho infernal que pode emergir
de residências caras, apartamentos modestos ou barracos. Medo da reação dos
trabalhadores, não importa quanto ganhem. Medo da desilusão dos que perderam o
emprego. A taxa de 6,2% de desocupação é a mais alta desde maio de 2011. O
total de desempregados aumentou 23,1% em relação a março de 2014. As contas públicas
registraram o pior trimestre em 17 anos.
O
governo nega medo de panelaço ou de vaia. Dilma prefere gravar e divulgar
alguns vídeos com mensagens nas redes sociais, segundo o ministro da Comunicação,
Edinho Silva. O PT não gostou dessa desculpa tecnológica. Dirigentes petistas
acham “um absurdo” e criticam a “covardia” de Dilma. Lula também pressiona a
companheira. Há duas semanas, ele apelou em reunião com sindicalistas: “Dilma,
se tem gente para te defender para sair dessa enrascada, é esse pessoal aqui”.
Qual
enrascada? Para qualquer lugar que se olhe, os números justificam a cisão entre
o PT e os trabalhadores. Tivemos o pior desempenho da história da caderneta de
poupança, com os saques superando os depósitos em R$ 23 bilhões. O salário
acaba antes do mês. Brasileiros raspam suas economias. É a maior carestia em 12
anos. A inflação e a desaceleração econômica aumentam as demissões e diminuem o
poder de negociação salarial. A renda média do trabalhador foi reduzida em 2,8%
em março – a maior queda em um mês desde janeiro de 2003, segundo o IBGE.
Em 2003,
em seu primeiro Dia do Trabalho como presidente, Lula fez um discurso na Igreja
da Matriz, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Foi uma fala de
improviso, coisa inimaginável para Dilma. “E eu tenho, na minha cabeça, cada
discurso que fiz na minha vida, eu tenho na minha cabeça cada compromisso que
eu assumi em praça pública, eu tenho na minha cabeça programas de governo e eu
tenho na minha cabeça que, se falhar, quem falhou foi um pedaço da história deste
país e, possivelmente, iremos passar muitos anos para que a gente possa
reconstruir a esperança que brotou no nosso país.” Premonição?
Lula
dizia querer ser lembrado pela qualidade de vida de homens e mulheres. “E
sobretudo pela qualidade da educação e da saúde que a gente quer implantar
neste país.” Para tanto, o governo precisa “ter a habilidade de envolver a
sociedade brasileira para se tornar cúmplice do governo”. “Podem ficar certos
que todo 1o de Maio, às 9 horas da manhã, o presidente da República estará aqui
para prestar contas do que estamos fazendo neste país”, afirmou Lula em 2003,
pedindo que “Deus abençoe todos nós”.
Doze
anos depois, onde está a qualidade na educação e na saúde? Doze anos depois,
por que Dilma evita falar em público ou na televisão? Não quer prestar contas?
A sociedade foi, sim, cúmplice do governo e acreditou no PT, como queria Lula. O
PT teve a bênção de Deus, mas se deixou corromper pelo diabo.
A
sociedade só não se sente cúmplice da corrupção e da incompetência que roubaram
bilhões dos trabalhadores e de suas famílias. Agora, o ajuste fiscal, necessário
como um antibiótico com efeitos colaterais negativos, tira bilhões do seguro-desemprego,
da pensão por doença e morte e do abono salarial. O corte de R$ 18 bilhões em benefícios
sociais foi reduzido para R$ 7,7 bilhões por resistência do Congresso. Onde está
o corte necessário e moralizador nos surreais 38 ministérios? É ou não “corte
na carne”?
Neste
Dia do Trabalho, Lula e a CUT querem que Dilma condene a terceirização aprovada
na Câmara. Na segunda-feira passada, Lula disse que, no 1º de Maio, “tranquilamente,
a companheira Dilma vai vetar (a terceirização das atividades-fim das empresas)”.
Se falar, a presidente dirá que não é a favor nem contra, muito pelo contrário.
Dirá que apoia a terceirização para aumentar chances de trabalho e
produtividade. Dirá que rejeita mexer nas conquistas trabalhistas. Dirá, como o
presidente do Senado, Renan Calheiros – quem diria –, que não dá para liberar
geral a terceirização, num momento em que o Estado aumenta impostos e juros.
Neste
feriadão, o povo não quer mesmo ouvir Dilma. Não foi apenas o trabalho que se
tornou precário. Foi a presidente.
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