17
de maio de 2015 | N° 18165
ROBERTO
ROMANO
Comédia,
tragédia…
O
leitor se enfada ao ler e ouvir, como ladainha, o dito marxista repetido até a
náusea na mídia nacional? Falo do chavão: na primeira vez um evento é tragédia,
depois comédia. O enunciado não é de Marx. O dito encontra-se nas hegelianas
Lições sobre a Filosofia da História, onde se analisa a crise política do
Império Romano. Ali, Hegel nota que a entrega do poder a César atenuou a guerra
civil em Roma mas levou o império a conflitos bélicos externos. “César abriu um
novo teatro; ele criou a cena que deveria tornar-se o centro da história
universal”.
O
ditador corrupto sapou o regime republicano pois “o que restava da república era
desprovido de força”. Imaginando o cesarismo efêmero, Brutus e Cassius usaram
punhais.
César
morto, pensavam, voltaria a república. Presas de espanto ilusório, eles
quiseram deter a história, mas “uma revolução política, em geral, é sancionada
pela opinião dos homens quando ela se renova”. Assim, diz Hegel, “Napoleão caiu
duas vezes e os Bourbons foram expulsos duas vezes.
A
repetição realiza e confirma o que, no início, parecia contingente”. Hegel não
fala em tragédia ou comédia, mas recorda Shakespeare e sua peça sobre César. E
ironiza a tolice conservadora posterior à Revolução Francesa. Marx também bebeu
das águas hegelianas, nas Lições sobre a Estética. Ali sim, Hegel fala da
tragédia divina e, depois, da sátira.
As
frases de Marx, repetidas pelos pedantes de hoje, surgem no 18 Brumário de Luis
Bonaparte, livro ignorado pelos preguiçosos universitários ou jornalistas. Como
bom acadêmico alemão, o jovem Karl estudou os clássicos. A sua tese de
doutorado trata com acuidade e rigor dos mestres éticos ocidentais, Epicuro e
Demócrito. Mesmo hoje aquele trabalho serve como fonte (não raro silenciada
pelos pesquisadores) no estudo da filosofia antiga e moderna. A tragédia ética
é o centro do 18 Brumário.
Marx
já aproveitara a ideia na Crítica da Filosofia Hegeliana do Direito. Cito: “A
última fase de uma figura histórica mundial é sua comédia. Os deuses gregos
atingidos mortalmente na tragédia, como no Prometeu Acorrentado (Ésquilo),
precisariam morrer de novo, comicamente, nos diálogos de Luciano. Por que a
história segue tal via? Assim a Humanidade separa-se feliz e alegremente de seu
passado”. Mesmo quem recusa o pensamento marxista percebe que tais pensamentos
fazem refletir, ao contrário da cantilena sobre “tragédia” e “comédia”. As
palavras são as mesmas, o contexto exige estudo, disciplina, inteligência.
Hegel
exprime com figuras fortes outros símiles do poder. Um deles é muito atual no
Brasil. Se o governo se apresenta como facção, aí “reside a sua inevitável
queda. Como é governo, ele se torna culpado”. Um dirigente que age apenas como
representante dos seus eleitores comete crime, não apenas por ser facção, mas
por ser facção e governo.
Ele
perde legitimidade ao combater “os outros” que deveria representar
(Fenomenologia do Espírito). Quem seguiu a entrevista de Miguel Rosseto e do
ministro da Justiça, posterior à manifestação ocorrida em 15 de março, entende
o que Hegel expressa. Se o país é dividido entre “nós” e “eles”, com certeza a
autoridade constituída beira a ruína. Em nosso caso, vivemos um aterrador vazio
de poder.
A
presidente da República é tutelada pelos partidos e segue ditames de seus
ministros, sobretudo na área econômica. Sem autoridade, ela não lidera o
governo de todos. Ao mesmo tempo os ódios, as calúnias, a intolerância desgastam
a cidadania e devem ser atenuados em todos os partidos e movimentos.
Caso
contrário, agonizam as instituições. E quando tal fato ocorre surge um César
qualquer, ditador que a todos submete e cala. Então, os dias pouco têm de
alegria e risos. As lágrimas dos exilados (não importa se de esquerda ou
direita), dominam a cena histórica.
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